Políticos que disputaram eleições em 2020 e 2022 têm 270 cargos comissionados no governo federal. Dos 270 ex-candidatos, 244 foram derrotados nas urnas antes de ter sua indicação ao cargo no governo.
O levantamento foi feito pelo Poder360 com base no cadastro dos funcionários do governo federal em novembro (último dado disponível) e inclui os ministros.
O fato de ter disputado as últimas eleições pela sigla não significa que o funcionário ainda esteja vinculado à legenda. É, porém, um indicativo de afiliação política.
Os ex-candidatos que ocupam cargos no Executivo são só a parte mais visível de um número muito maior de indicações políticas que são feitas em todos os governos.
Servem de termômetro de um fenômeno já bem estudado pela ciência política brasileira: a relutância do PT em compartilhar o poder em seus mandatos.
O partido tem 115 ex-candidatos em cargos comissionados, quase metade do total. Em dezembro de 2022, último mês do governo Bolsonaro, tinha 6 cargos. O PSB do vice-presidente Geraldo Alckmin vem num distante 2º lugar: tem 27 cargos para ex-candidatos do partido.
“É uma característica da gestão petista: concentra muito poder no próprio partido, distribui pouco para as legendas da coalizão e deixa de observar uma proporcionalidade de acordo com o tamanho das siglas na Câmara”, diz o cientista político Lucio Rennó, da UnB.
Nem mesmo a aproximação do governo com o Centrão no 2º semestre acelerou as nomeações de ex-candidatos ligados ao grupo. Desde junho, houve um saldo de 49 ex-candidatos indicados para cargos, mas 23 deles concorreram em eleições pelo PT. O saldo de cargos para o Republicanos, foi de 3 ex-candidatos. Para o União Brasil e o PP, apenas 1 cargo.
PC do B, PSD, Psol e PDT ampliaram a presença de seus políticos na Esplanada. Já partidos do Centrão como o PP, o Republicanos e o União Brasil permanecem com poucos ex-candidatos em cargos comissionados além de seus ministros.
A relutância do PT em ceder mais espaço no governo indica, para alguns especialistas, uma dificuldade cada vez maior em aprovar medidas importantes. “Não sendo premiados de acordo com o seu peso no Legislativo, os partidos também têm relutância em aprovar proposições eleitoralmente difíceis. Só devem passar no Congresso propostas em que todos tenham convergência“, diz Rennó.
O cientista político diz que o governo Lula tem conseguido passar medidas importantes, mas que os projetos são cada vez mais emendados por congressistas que se sentem mais empoderados.
O Ministério do Desenvolvimento Agrário tem ao menos 28 ex-candidatos em cargos comissionados, 27 do PT. Eles se concentram em superintendências regionais do Incra, que são postos cobiçados pelo MST.
Educação e Saúde, que estão entre os maiores ministérios, também estão entre os que mais concentram ex-candidatos. O Ministério dos Povos Indígenas aparece em 4º lugar, com 18 ex-candidatos. Desses, 6 são do Psol, partido da ministra Sonia Guajajara. Além dela, que foi eleita deputada federal em 2022, há no ministério 5 funcionários que disputaram as eleições pelo Psol e perderam.
Não há nada de ilegal na nomeação de pessoas para cargos de confiança. O fato de indicados terem disputado cargos públicos ou aparecerem como filiados a partidos políticos tampouco é impedimento.
Governos costumam trazer integrantes dos seus grupos partidários para implementar as políticas que desejam, além de abrir espaço a outros partidos políticos para conseguir aprovar propostas no Congresso.
Há, no entanto, uma discussão sobre a dimensão dessas indicações políticas e como isso tem sido feito no Brasil.
O sistema brasileiro de indicação para cargos comissionados, com mais de 20.000 postos de livre provimento (se considerados os exclusivos para funcionários públicos, chega a 90.ooo), vai na contramão do que fizeram os países da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) nos últimos 20 anos.
Integrantes da organização diminuíram o número de cargos e funções de confiança. Cortaram especialmente os de nível médio e baixo, o que levou a menor rotatividade e mais eficiência de políticas de gestão.
Em vez de fazer isso, as últimas mudanças brasileiras em relação ao assunto foram na linha de aumentar o percentual desses cargos reservados para servidores de carreira.
“O sistema brasileiro atual favorece uma politização dos servidores e acaba aumentando demais a rotatividade. Cerca de 30% das pessoas que estão nesses cargos não permanecem mais de 1 ano. Isso dificulta muito a execução de políticas públicas“, diz Felipe Drumond, consultor especialista em gestão de pessoas no setor público.
Há também falta de critérios para regular a ocupação desses cargos, dizem especialistas. Itens como requisitos mínimos para que alguém seja aceito, processo seletivo com pré-seleção e definição de quais tarefas podem ser desempenhadas ou não por cargos de confiança são discutidas.
“Precisamos começar a pensar numa lei feral de abrangência nacional que venha a disciplinar esse tema”, afirma Vera Monteiro, professora da FGV e vice-presidente do Conselho Diretor da Ong República.org.
Vera Monteiro participa do Movimento Pessoas à Frente, que discute o funcionalismo público e formula propostas de gestão mais eficiente.
O Poder360 cruzou os registros eleitorais de 2020 e 2022 com os dados de funcionários públicos do governo federal do mês de novembro de 2023 (os mais recentes disponíveis). A análise inclui apenas os 20 mil ocupantes de cargos comissionados, de qualquer nível salarial, além dos ministros.
Optou-se por excluir funções comissionadas, mais numerosas, que também são objeto de indicação política. Essas funções, ao contrário dos cargos comissionados, são ocupadas exclusivamente por funcionários de carreira. Por isso, não é possível comparar o levantamento atual com o anterior feito pelo Drive, em julho do ano passado.
O fato de ter participado de uma eleição por um partido não significa que o funcionário público ainda esteja vinculado a ele. No caso de quem participou de duas eleições, foi considerada a filiação partidária mais recente.
Há certamente outros filiados a partidos em cargos no governo, mas, desde 2021, o TSE barrou a divulgação da lista de filiados às legendas.