Para a professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo, Élida Graziane, o episódio desta semana mostra a substituição das políticas públicas baseadas em evidências pela conveniência política. “A falta de clareza sobre as prioridades alocativas do governo pode ser didaticamente encontrada na velocidade e na intensidade da execução orçamentária das emendas parlamentares. A liberação maior de recursos para bases eleitorais de determinados parlamentares, às vésperas de votações importantes para o Executivo, revela o quanto o cumprimento do planejamento impessoal das políticas públicas é preterido para ceder espaço ao trato balcanizado do orçamento”, diz ela.
O problema se agravou nos últimos anos, diz Graziane, com grande parte dos investimentos federais submetida ao Congresso. “Com a cada vez menor margem fiscal para executar despesas primárias discricionárias, priorizar tais emendas paroquiais em detrimento do que havia sido planejado tende a comprometer a própria qualidade dos serviços públicos, na medida em que submete os cidadãos a um regime de favores e benesses, ao invés de direitos e regras universais”, diz ela.
“Isso, em qualquer país sério, seria um escândalo. Mas, no Brasil, infelizmente esse tipo de informação acaba sendo tratada como mera coincidência. O Amapá é o penúltimo Estado em população e está entre os Estados para os quais mais foram destinadas emendas do Orçamento neste ano. Não há qualquer critério técnico para justificar tal discrepância. Infelizmente vemos a Comissão de Constituição e Justiça do Senado sendo usada para a compra e apoio”, diz ao Estadão a deputada Adriana Ventura (Novo-SP). Como integrante da Comissão Mista de Orçamento, Ventura é uma das principais opositoras da expansão exagerada das emendas parlamentares nos últimos anos.
Quase metade do dinheiro empenhado para o Amapá, R$ 29,1 milhões, foi para obras de pavimentação nos municípios de Calçoene, Tartarugalzinho e na capital, Macapá. Mas há também dinheiro para a construção de mercados públicos (“feira do produtor”) e até um abatedouro de aves, além da compra de materiais didáticos e lanches para estudantes.
Emendas são modificações feitas por deputados e senadores ao Orçamento, usadas pelos políticos para enviar dinheiro para obras ou serviços nas localidades em que eles têm votos. Dos R$ 60,5 milhões empenhados em emendas parlamentares para o Amapá no fim de novembro, dois terços (R$ 40,2 milhões) foram por meio do Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional (MIDR), comandado pelo ex-governador Waldez Góes, indicado por Alcolumbre.
Outros R$ 14,5 milhões foram aplicados por meio do Ministério do Turismo, de Celso Sabino – deputado licenciado do União Brasil do Pará, Sabino chegou à Esplanada como parte do esforço do governo para agradar o Centrão no Congresso, do qual ele faz parte.
A presteza de Alcolumbre em marcar as sabatinas favorece o governo, assim como a decisão do amapaense de realizar uma sessão conjunta para analisar ambos os nomes: na próxima quarta-feira, 13, a CCJ do Senado se reunirá para analisar os nomes de Gonet e Dino de uma só vez. Espera-se que o formato conjunto acabe amenizando as críticas a Flávio Dino, que é considerado um alvo preferencial por parte dos senadores de oposição.
Nesta quarta-feira (6), os senadores Jaques Wagner (PT-BA) e Weverton Rocha (PDT-MA) apresentaram na CCJ do Senado pareceres favoráveis às indicações de Gonet e Dino, respectivamente. Davi Alcolumbre foi procurado pela reportagem do Estadão por meio de sua assessoria, mas disse que não iria comentar. Responsável pela articulação política do governo, o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) também foi procurado, mas decidiu não comentar.
Usar a análise das indicações na CCJ como instrumento de pressão não é exatamente uma novidade para o ex-presidente do Senado. Em 2021, no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Alcolumbre travou durante meses a análise da indicação do então advogado-geral da União, André Mendonça, para uma vaga no STF – ele preferia a nomeação do então procurador-geral da República, Augusto Aras, para a vaga. Mendonça acabou aguardando mais de quatro meses para ver sua indicação analisada, e a CCJ do Senado chegou a ficar um mês sem funcionar.
A situação só foi revertida após forte pressão de líderes evangélicos, que resultaram na perda de apoio do ex-presidente do Senado dentro da Casa. Sob Bolsonaro, Alcolumbre também represou a análise das indicações para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), gerando um acúmulo de trabalho no órgão.