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Policial

Assédios sexuais e torturas: relatório denuncia práticas no Sistema Socioeducativo feminino do Ceará

O documento com as acusações foi elaborado por entidades de defesa dos direitos humanos, após visitas ao Centro Socioeducativo Feminino Aldaci Barbosa.

Publicada em 31/10/23 às 04:38h - 421 visualizações

Emanoela Campelo de Melo, DN


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Assédios sexuais e torturas: relatório denuncia práticas no Sistema Socioeducativo feminino do Ceará
Em visita a adolescentes apreendidas, entidades ouviram relatos de violências físicas, psicológicas e sexuais contra as meninas  (Foto: Reprodução/Relatório de Visita de Inspeção ao Centro)
Adolescentes internadas no Centro Socioeducativo Feminino Aldaci Barbosa, em Fortaleza, denunciam episódios de tortura física e psicológica, além de casos de assédio sexual que, supostamente, viriam por parte de agentes socioeducadores. As acusações constam no Relatório de Visita de Inspeção ao Centro, elaborado por entidades de defesa dos direitos humanos.

As instituições destacam “não se tratarem de casos isolados”, conforme o Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura. As queixas se repetem entre as internas, e não são recebidas com ‘surpresa’ entre os que acompanham o Sistema, conforme apontam as entidades.

O relatório expondo as denúncias foi lançado nesta segunda-feira (30), em audiência pública na Assembleia Legislativa do Ceará (Alece). O documento foi elaborado pelo Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca), Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos (CEDDH), Comitê de Prevenção e Combate à Tortura (CEPTC) e Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Alece (CDH-Alece).

O QUE APONTA O RELATÓRIO SOBRE TORTURAS

Consta no documento uma série de irregularidades que estaria acontecendo no equipamento, ocupado por 37 adolescentes de 12 a 19 anos, entre elas meninas cis e transexuais e meninos transexuais. 

Entre os episódios, estão "possíveis casos de violência e/ou tortura, física ou psicológica, por parte de agentes de Estado", a exemplo de quando "as adolescentes narram que ficam algemadas nas grades e/ou em formato de 'caranguejo', ou seja, algemadas umas com as outras".

Marina Araújo Braz, presidente do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura, diz que a "a situação dentro da unidade não é uma novidade". Segundo ela, há 5 anos o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura indica problemas de violação de direitos neste Centro.

"Desde 2018 temos notícia do uso de algemas indiscriminado entre as adolescentes. Foi apontado que elas ficam algemadas mais de três horas seguidas, sem poder se alimentar, sem fazer necessidades básicas. Algemas entrelaçadas são uma técnica de tortura. Se alguém fizer barulho na sua grade, é algemada", disse Marina Araújo Braz, presidente do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura.

Em nota, a Superintendência do Sistema Socioeducativo (Seas) afirmou que o Centro é referência positiva no atendimento a jovens em cumprimento de Medida Socioeducativa de Internação e que, após as denúncias, foram “realizadas diversas capacitações com as equipes com foco na metodologia de atendimento e revisão nas práticas, em especial o cumprimento das Portarias de Segurança Preventiva e de Regime Disciplinar”.

Ainda de acordo com a Seas, “em caso de responsabilização das jovens após cometimento de situações de indisciplina, há previsão da atuação de uma Comissão Disciplinar, com todas as ações previstas na Portaria que regulamenta o Regime Disciplinar, não havendo situação de alojamentos estipulados como ‘trancas’ no interior da unidade, mas sim alojamentos adequados para o cumprimento das medidas disciplinares”.

ASSÉDIO DURANTE O BANHO

Sobre as situações de assédio, a Seas diz que, atualmente, “30% do contingente de profissionais socioeducadores são do sexo masculino, havendo uma organização para que os mesmos não atuem diretamente nas áreas dos alojamentos das jovens”.

O crime, porém, conforme as meninas, acontece principalmente quando elas estão no momento de higiene.

"É necessário destacar que os banheiros dos dormitórios possuem um espaço entre sanitário e chuveiro, não tendo portas ou espaço que possa preservar a intimidade das adolescentes. Além disso, por tratar-se de unidade exclusiva para o público feminino, é necessário que apenas socioeducadoras façam o monitoramento durante esse momento", frisa o relatório.

Os profissionais que realizaram a inspeção apontam também relatos de constrangimento vivido pelas jovens, porque recebem dos profissionais homens os itens de higiene para o uso no dia a dia. “Foi relatado, ainda, outras situações em que são constantemente 'olhadas' por determinados socioeducadores e que estes ficam passando pelos corredores no horário do banho tentando vê-las.”

Quando querem puni-las, como alegam, os agentes limitam as idas delas ao banheiro.

"Ano a ano temos relatórios atestando a situação: um dos pontos é a presença majoritária de socioeducadores homens. Nos deparamos com diversos casos de assédio apontados, situação de vulnerabilidade para que assédios sexuais aconteçam. Encaminhamos ofício à Seas e eles têm conhecimento sobre isso. Não são casos isolados", relatou Marina.

Internas relataram ainda necessidade de acompanhamento psicológico e psiquiátrico, e “reclamaram que as medicações necessárias não estavam sendo entregues ou, em alguns casos, os medicamentos são ministrados de forma excessiva, causando longos períodos de sonolência".

As entidades identificaram relatos de pensamentos suicidas entre as internas. Uma delas, inclusive, estava com marcas de automutilação nos braços.

INSPEÇÃO NA UNIDADE

No dia 5 de maio de 2023, autoridades foram ao Centro Socioeducativo realizar inspeção "em virtude de uma série de situações conflituosas notificadas ao CEDDH". De acordo com o relatório, os contatos com as adolescentes foram feitos enquanto estas permaneciam em seus dormitórios, sem intervenção de profissionais da Unidade.

Primeiro, os visitantes tentaram esclarecer sobre o princípio de rebelião ocorrido no fim de semana anterior à inspeção. Vítimas falaram que chegaram a passar mal com uso de spray de pimenta e precisaram ser levadas ao atendimento.

“Durante a visita aos dormitórios, foram coletados diversos relatos de práticas institucionais de risco para integridade física e psicológica das internas. Como, por exemplo, o relato de que adolescentes com histórico de rivalidade e conflito no cumprimento da medida socioeducativa são colocadas dentro do mesmo alojamento. Esta narrativa foi ouvida em diferentes alojamentos e assinalada como um dos motivos para o princípio de rebelião.”

No decorrer da inspeção, foram localizadas adolescentes sem colchão e sem acesso às atividades socioeducativas. As meninas dizem que a violência "faz parte da ambiência da unidade socioeducativa, seja através de xingamentosviolência física por parte dos/as socioeducadores/as e de práticas institucionais que geram risco à integridade delas. Existe ainda uma naturalização de punições que se configuram como práticas de maus tratos”.

A Superintendência negou insuficiência de materiais de higiene pessoal.

PROTOCOLO DE ATUAÇÃO

A Seas afirma que “há ainda um protocolo muito rígido de apuração de todas as denúncias envolvendo o atendimento às jovens do Centro Socioeducativo Aldaci Barbosa, com atuação da Corregedoria da Superintendência e ainda comunicação ao Sistema de Justiça: Ministério Público, Defensoria Pública e Poder Judiciário”. 

“A qualquer indício de irregularidade, é solicitado o afastamento imediato das pessoas envolvidas e realizada abertura de processo administrativo disciplinar. No último ano, foram instaurados 9 processos, dos quais 5 estão ainda em fase de instrução. Em razão das apurações, registra-se penalidades aplicadas de desligamento e suspensão de profissionais”, complementa o órgão.

Eduardo Sena, corregedor da Seas, afirma que os 4 processos já concluídos tiveram “os mais diversos desdobramentos, incluindo rescisões contratuais”. Um dos afastamentos foi por assédio sexual, outro foi por agressão e os outros dois foram “por condutas inadequadas de menor potencial”.

O corregedor garante ainda que o acompanhamento das denúncias e a atuação da Seas sobre elas ocorre “desde a criação da superintendência, em 2016”. “Não é um trabalho simples, mas creio que houve uma evolução significativa no trabalho”, adiciona.

O QUE FOI RECOMENDADO

Ao fim da inspeção e com a elaboração do relatório, as entidades de proteção formularam uma lista com 11 recomendações direcionadas à Seas. Dentre elas, a proibição urgente da prática de algemar indiscriminadamente as adolescentes que estão em privação de liberdade, e assegurar às adolescentes, de forma adequada, os itens necessários à sua higiene pessoal.

Também deve ser necessária a "elaboração de um Protocolo de Prevenção e Enfrentamento à Tortura e ao Assédio Sexual no Sistema Socioeducativo, prevendo a criação de uma comissão permanente composta por servidoras da pasta para definir ações de proteção e respeito a dignidade sexual das socioeducandas".

VEJA NOTA DA SEAS NA ÍNTEGRA:

"O Centro Socioeducativo Aldaci Barbosa Mota é uma referência positiva no atendimento a Jovens em cumprimento de Medida Socioeducativa de Internação. Sendo que sua equipe é constantemente capacitada para o atendimento a essas jovens, de acordo com o perfil e realidade do cometimento de atos infracionais. 

Sob a gestão da Superintendência do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo houve uma mudança na lógica e alteração no número dos socioeducadores homens que atuam na unidade, sendo que, atualmente, somente 30% do contingente de profissionais socioeducadores são do sexo masculino, havendo uma organização para que os mesmos não atuem diretamente nas áreas dos alojamentos das jovens. 

Após o relato das denúncias, que são de maio de 2023, foram realizadas diversas capacitações com as equipes com foco na metodologia de atendimento e revisão nas práticas, em especial o cumprimento das Portarias de Segurança Preventiva e de Regime Disciplinar. Em especial, uma formação e capacitação voltada para o uso adequado de algemas, em acordo com a Súmula Vinculante 11 do Supremo Tribunal Federal.

Entre as formações realizadas nos últimos 12 meses que contemplaram, entre outros, profissionais do Centro Socioeducativo Aldaci Barbosa Mota, destacam-se: - Curso de Facilitadores de justiça restaurativa e círculos de construção de paz para situações menos complexas - Formação Campeões da Vida, com o objetivo de fortalecer as competências e habilidades para a utilização do esporte como estratégia pedagógica de desenvolvimento de habilidades para a vida - Seminário Estadual da Política Nacional de atenção integral à saúde de adolescentes privados de liberdade (Pnaisari): avanços e desafios na implantação da política de saúde na Socioeducação do Estado do Ceará - Curso de formação para uso de equipamentos de proteção individual para prevenção de situações de crise e controle de distúrbios civis nos centros socioeducativos - Curso de Mediação Comunitária no âmbito do sistema socioeducativo - Workshop sobre o processo de comunicação sob a perspectiva da escuta empática Entre outras atividades de rodas de conversa, palestras e afins ligadas ao aprimoramento do sistema socioeducativo no âmbito das transversalidades que perpassam o atendimento. No total, há registro de mais de 200 participações de profissionais nos eventos. 

Há ainda um protocolo muito rígido de apurações de todas as denúncias envolvendo o atendimento às jovens do Centro Socioeducativo Aldaci Barbosa, com atuação da Corregedoria da Superintendência e ainda comunicação ao Sistema de Justiça: Ministério Público, Defensoria Pública e Poder Judiciário. Sendo que, a qualquer indício de irregularidade, é solicitado o afastamento imediato das pessoas envolvidas e realizada abertura de processo administrativo disciplinar. No último ano, foram instaurados nove processos, dos quais, cinco estão ainda em fase de instrução. Em razão das apurações, registra-se penalidades aplicadas de desligamento e suspensão de profissionais. 

O caso de responsabilização das jovens após cometimento de situações de indisciplina, há previsão da atuação de uma Comissão Disciplinar, com todas as ações previstas na Portaria que regulamenta o Regime Disciplinar, não havendo situação de alojamentos estipulados como “trancas” no interior da unidade, mas sim alojamentos adequados para o cumprimento das medidas disciplinares. 

Foi realizado levantamento institucional à época das denúncias e constatado que não há insuficiência nos materiais de higiene pessoal, rouparia e alimentação, ao contrário, o Centro Socioeducativo tem gerência das ações em parceria de gestão compartilhada com uma Organização da Sociedade Civil, onde estão garantidos e monitorados todas as entregas dos itens previstos ao atendimento, de acordo com o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase).

Importante frisar ainda que foi autorizado pelo Governo do Estado do Ceará a construção de um novo Centro Socioeducativo para atender o público feminino em Fortaleza e que, com a efetivação do mesmo, o atual espaço físico do Centro Socioeducativo Aldaci Barbosa será desativado. Outra grande conquista que garantirá ainda um número maior de socioeducadoras mulheres atuando no Centro Socioeducativo Aldaci Barbosa foi o anúncio da realização de um Concurso Público para profissionais que atuam no Sistema de Atendimento Socioeducativo, sendo que tal ação possibilitará qualificar ainda mais o atendimento."




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