No mais momentoso desfile de Dia da Vitória desde que chegou ao poder em 1999, Vladimir Putin decidiu colocar um espetáculo militar apocalíptico na praça Vermelha, coração de Moscou. Sem sutileza, dará um recado à crescente interferência dos Estados Unidos e aliados na Guerra da Ucrânia.
Segundo o Ministério da Defesa russo, nesta segunda (9) o tradicional desfile para comemorar a derrota da Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial, em 1945, será pontificada pela primeira vez desde 2010 pelo "avião do Juízo Final".
Trata-se de uma versão modificada do Iliuchin Il-80, feita para servir de centro de comando e controle para Putin e a elite militar russa em caso de guerra nuclear. Os americanos possuem quatro modelos semelhantes, baseados no Boeing-747, para o presidente e líderes fardados.
O Il-80 foi criado pelos soviéticos nos anos 1980, no auge da paranoia acerca de um ataque nuclear americano. Ele só entrou em serviço em 1992, com quatro unidades pintadas de branco e sem janelas de passageiros, para refletir a energia térmica e o clarão de explosões nucleares. Um novo modelo, mais moderno, juntou-se à frota em 2016.
Além dele, haverá a apresentação de mísseis intercontinentais para ogivas nucleares, como o recém-testado Sarmat e o Iars, armas de destruição em massa talhadas para uma Terceira Guerra Mundial completa. Bombardeiros estratégicos com capacidade atômica Tu-160, mísseis hipersônicos, tanques e caças diversos deverão completar a parada.
Isso ocorre todos os anos, mas a reinclusão do Il-80 é uma clara demonstração de força. Desde que a guerra começou, em fevereiro, a Rússia vem reiterando em diversas ocasiões que é a maior potência nuclear do mundo ao lado dos EUA, como forma de advertir contra a escalada de ajuda militar a Kiev.
Inicialmente composto por dados de inteligência e um enorme influxo de armas antitanque e antiaéreas portáteis, o auxílio agora inclui obuseiros, tanques e outros sistemas pesados. Isso tudo tem sido empregado contra a ofensiva concentrada dos russos no leste e sul do país, após terem fracassado em tomar no susto Kiev.
EUA, Polônia e outros países da Otan estão fazendo envios diários. Após falhar na ideia de enviar blindados por falta de munição, que procurou até no Brasil, a Alemanha anunciou que enviará peças de artilharia de longo alcance.
A expectativa para a segunda-feira, contudo, é maior em relação ao discurso que Putin fará por volta das 11h30 (5h30 em Brasília).
O Kremlin vem negando, mas nos meios militares russos espera-se o anúncio de uma mobilização nacional para poder incrementar a força humana aplicada à Ucrânia. Segundo o site independente Sota, empresas estatais estão recrutando discretamente "especialistas em mobilização" nas últimas semanas.
Outras ideias, como a declaração de algum tipo de vitória ou a anexação das áreas já ocupadas, são especuladas --e, como a invasão antes de seu começo, negadas pela Rússia.
Seja como for, a retórica antiocidental está garantida, nem que seja pela fotografia das armas que irão ser colocadas no desfile. A data é a mais sagrada do calendário cívico bolado por Putin nas suas duas décadas de poder, e associações entre a luta contra os nazistas e a guerra para entre outras coisas "desnazificar" a Ucrânia poderão constar em sua fala.