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Casa construída em 1869 tem farol para olhar o mar e testemunhou transformações de Fortaleza

Abrigando a segunda empresa mais antiga no Ceará em atividade, propriedade pertence a família com raízes francesas, responsável por alavancar o desenvolvimento econômico da Capital

Publicada em 14/04/23 às 07:09h - 410 visualizações

Diego Barbosa, DN


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Casa construída em 1869 tem farol para olhar o mar e testemunhou transformações de Fortaleza
Antes utilizada para observar o porto de Fortaleza – onde hoje é o Poço da Draga – atualmente a torrinha da empresa continua presença bonita na paisagem  (Foto: Fabiane de Paula)
Da próxima vez que for à rua Boris, na Praia de Iracema, preste atenção aos detalhes. O mais óbvio é a antiguidade do endereço, com construções remontando a séculos passados. A extensão curta e estreita da via também se destaca, reforçando esse componente histórico. O que talvez poucos saibam é que, olhando para cima, há uma pequena torre encarando o mar de Fortaleza, situada em uma propriedade igualmente curiosa.

Trata-se da sede da Lanlink, empresa de tecnologia do ramo de internet. Apesar de abrigar um negócio tão inovador, a casa encontra-se num prédio construído em 1869, dialogando com a Fortaleza do século XIX até os dias atuais. Um presente. Mas há bem mais além da fachada, e isso só se descobre ao atravessar o portão principal da corporação – a segunda mais antiga em funcionamento no Ceará.

O piso, por exemplo, é totalmente original, ainda brilha aos olhos. Todas as instalações seguem o mesmo fluxo, embora tenham passado por modificações no intuito de comportar os diferentes setores da empresa – desde 2004 no lugar. Quem partilha essas informações é Charles Boris, presidente da Lanlink e gestor das empresas da família Boris Freres e da Fazenda Serra Verde, no Cariri. Foi ele quem nos acompanhou nessa travessia pela memória.

“Meus antepassados chegaram em Fortaleza no ano de 1865. Eram franceses, e decidiram fundar uma empresa que resultou na construção desse prédio. A corporação se transformou na grande importadora de produtos da Europa para o Ceará ao longo desse período”, diz. Tornou-se também o grande centro de exportação do Estado, estabelecendo essa conexão com distintas fronteiras comerciais, incluindo os Estados Unidos.

Quando começaram a importar, os visionários gestores trouxeram todo tipo de produtos diferenciados do Velho Mundo, alargando as possibilidades de desenvolvimento local. Foram, digamos assim, precursores das vendas por catálogo – comercializando de perfumes a roupas no início para, depois, investir em objetos mais estruturantes. O legado desse trabalho é sentido em pormenores espalhados pelos quatro cantos do Ceará.

Na Capital, todo o teto do Theatro José de Alencar foi feito com ferro importado pela empresa. E inúmeras estruturas para pontes em ferrovias outrora existentes em solo cearense também possuem essa raiz.

“Quando começou esse movimento de importação e exportação, vários prédios se tornaram armazéns. E eles criaram uma prensa de algodão, se beneficiando disso para exportar. Logo, estamos numa casa que vivenciou toda uma jornada de empreendedorismo da cidade”.

PELO MAR

Conhecer o peso dessa herança é imprescindível. É quando Charles Boris pausa o trabalho e faz questão de mostrar documentos, ferramentas e relatos de tempos tão antigos quanto próximos. A Fortaleza dos primeiros anos é a mesma que aniversaria todo dia.

Um dos dados que ele apresenta é o fato de haver uma empresa, também comandada pela Boris Freres, chamada Boris Navegação – maior agente marítimo do Ceará. A organização exerceu atividades aqui até fechar, por volta da década de 1980. Na infância, Charles passava o dia nos ambientes corporativos, crescendo em meio a heranças administrativas e culturais.

“O escritório onde estamos conversando era do meu avô e dos meus tios, todos trabalhavam aqui. Já onde hoje é a minha sala, funcionava a sala do meu pai. Ele era agrônomo, e a fazenda que detemos na região do Cariri está na minha família desde 1902”, relata. “No caso desse prédio, fechamos uma parte dele e fizemos um reforço estrutural para que a Lanlink pudesse colocar mais gente nas instalações”.

Nesse sentido, é interessante observar grandes equipes – a maioria formada por jovens profissionais – apropriando-se do espaço por meio do casamento com a tecnologia. Modo original de não deixar com que patrimônios históricos e arquitetônicos desapareçam. Segundo Charles, a revitalização e conservação do prédio são pilares fundamentais, e deveriam pautar outros equipamentos da cidade.

A torrinha mencionada no início desse texto é exemplo claro disso. Antes utilizada para observar o porto de Fortaleza – onde hoje é o Poço da Draga – atualmente ela continua presença bonita na paisagem. Ao pôr do sol, dizem, a visão é arrebatadora. É quando o oceano se aproxima das vistas, bem como prédios como o Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura e a Catedral.

Um encanto que começa já no acesso ao farol. A escada, em modelo helicoidal, veio da Alemanha. Quando for subir, tenha cuidado apenas com a cabeça – uma vez que ela realmente é bastante sinuosa. Mas não deixe de sentir o horizonte. No avançar de cada andar, a Capital vista de cima se torna cada vez mais nossa.

ESCREVER NOVAS HISTÓRIAS

Outro bom exemplo desse senso de preservação são os inúmeros documentos mantidos por Charles. Há uma sala específica para eles, apesar de também haver itens espalhados em outros recantos do prédio – na própria sala do presidente, álbuns dimensionam traços riquíssimos da evolução paisagística de Fortaleza.

“A empresa doou uma grande parcela de documentos ao Arquivo Público do Estado, com fatos e informações do século passado até a década de 1980. Eles contam toda a história do comércio marítimo de Fortaleza, uma vez que os antigos gestores eram muito detalhistas, anotavam tudo. É uma fonte de estudos espetacular”.

Lançado em 1908, o Álbum de Vistas do Estado do Ceará é um recorte desse trabalho minucioso e profícuo. Fotografias do antigo porto de Fortaleza, da Alfândega, da estátua da galinha-choca em Aquiraz, do Passeio Público, entre outros, nos deslocam para o passado enquanto conversamos com o presente. É mágico e especial. Até uma foto do bando de Lampião é possível encontrar lá.

“Esse é um tempo em que nem existia a Catedral. E olha aqui a Aldeota”, aponta Charles, igualmente deslumbrado. “Venho catalogando tudo isso, e ainda está em 10% do todo. Falta muito, é bastante trabalho, mas tem sido um prazer”.

“Sinto orgulho de fazer parte de uma família com uma história bonita, bacana… Por outro lado, é muita responsabilidade manter tudo. Tenho um carinho gigantesco por isso, então, enquanto eu tiver vida, vou cuidar com muito amor. Honrar o nome dos meus antepassados que construíram algo tão especial aqui no Ceará”.

Agora, você sabe: não basta apenas passar em frente a prédios antigos e presumir não haver nada além do que já é. Na Rua Boris, 90, Praia de Iracema, essa impressão cai por terra cedo. A bem da verdade, ocupa o céu, o farol, o sol. Brinda o presente, o passado e o futuro de nossa aldeia. Fortaleza é sempre.




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