Treze pessoas morreram e pelo menos 15 ficaram feridas quando membros do Regimento de Paraquedistas do Exército Britânico abriram fogo contra manifestantes de direitos civis em Bogside — uma área predominantemente católica de Londonderry/Derry, na Irlanda do Norte — no domingo de 30 de janeiro de 1972.
O dia ficou conhecido como Domingo Sangrento.
E é considerado em grande medida como um dos episódios mais sombrios do período de violência na Irlanda do Norte conhecido como The Troubles.
Os eventos que levaram ao Domingo Sangrento
A Irlanda do Norte abriga uma comunidade nacionalista de maioria católica que tradicionalmente favorecia a união com a República da Irlanda, e não com o Reino Unido, do qual faz parte.
A partir dos final dos anos 1960, essa comunidade católica ampliou sua reivindicação por direitos e oportunidades iguais à dos protestantes - e cresceu a percepção entre parte dos unionistas (os que defendiam a integração com o Reino Unido) de que o predomínio protestante da Irlanda do Norte estava ameaçado. A tensão se converteu em violência, e o governo britânico respondeu colocando tropas nas ruas em 1969.
Com a escalada, o governo também passou a impor um controle mais rígido sobre a Irlanda do Norte em 1971. Grupos paramilitares, tanto os republicanos quanto os leais ao Reino Unido, se tornavam cada vez mais letais.
Na manhã daquele 30 de janeiro de 1972, cerca de 15 mil pessoas se reuniam na área de Creggan, em Derry, para participar de uma passeata pelos direitos civis.
Cinco meses antes do Domingo Sangrento, em agosto de 1971, em um cenário de escalada da violência e aumento de ataques a bombas na Irlanda do Norte, uma nova lei havia sido implementada dando às autoridades o poder de manter as pessoas presas sem julgamento. O governo britânico havia decidido que essa era a única maneira de restaurar a ordem.
Milhares de pessoas se reuniam em Derry naquele dia 30 de janeiro para uma manifestação organizada pela Associação de Direitos Civis da Irlanda do Norte para protestar contra a medida.
O governo havia proibido tais protestos. Tropas foram mobilizadas para policiar a marcha.
Como o dia se desenrolou
A passeata começou pouco depois das 15h (horário local), e o destino previsto era o centro da cidade.
No entanto, barricadas do Exército bloquearam os manifestantes — e a maioria foi direcionada para Free Derry Corner, em Bogside.
Muitos manifestantes marcharam em direção a Free Derry Corner (Foto: BBC)
Após prolongados embates isolados entre grupos de jovens e o Exército, soldados do Regimento de Paraquedistas começaram a efetuar prisões.
Pouco antes das 16h, pedras foram lançadas e os soldados responderam com balas de borracha, gás lacrimogêneo e canhões de água. Dois homens foram atingidos e ficaram feridos.
Às 16h07, os paraquedistas passaram a prender o maior número possível de manifestantes.
Às 16h10, os soldados britânicos começaram a abrir fogo.
De acordo com evidências do Exército, 21 soldados dispararam suas armas, descarregando ao todo 108 balas de verdade.
Qual foi a resposta imediata?
Os disparos provocaram uma ira generalizada em Derry e em outros lugares.
A Embaixada Britânica em Dublin foi incendiada por uma multidão enfurecida.
No dia seguinte ao Domingo Sangrento, o governo anunciou que haveria um inquérito liderado pelo presidente do Supremo Tribunal, Lorde Widgery.
As vítimas, na fileira de cima (da esquerda para a direita): Patrick Doherty, Gerald Donaghey, John Duddy, Hugh Gilmour, Michael Kelly, Michael McDaid e Kevin McElhinney. Na fileira de baixo: Bernard McGuigan, Gerard McKinney, William McKinney, William Nash, James Wray e John Young (Foto: BBC)
O julgamento de Widgery inocentou amplamente os soldados e as autoridades britânicas de culpa, embora ele tenha descrito os disparos dos soldados como "no limite do imprudente".
A conclusão foi ridicularizada pelas famílias das vítimas, que passaram anos fazendo campanha por um novo inquérito público.
O inquérito de Saville
O ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair anunciou então que um novo inquérito seria realizado, liderado pelo juiz Lorde Saville.
Ele foi aberto em 1998 e finalizado em 2010, sendo o inquérito mais longo da história jurídica britânica, com um custo de cerca de £200 milhões.
O inquérito constatou que nenhuma das vítimas representava uma ameaça ou fazia qualquer coisa que justificasse os disparos.
E afirmou que nenhum aviso foi dado a nenhum civil antes de os soldados abrirem fogo — e que nenhum dos soldados disparou em resposta a ataques com bombas ou pedras.
Saville descobriu que houve "alguns disparos por parte de paramilitares republicanos", mas que, no geral, o Exército atirou primeiro.
David Cameron, que era primeiro-ministro na época da divulgação do relatório, disse que os assassinatos foram "injustificados e injustificáveis".
A Guildhall Square, em Derry, ficou lotada quando David Cameron pediu desculpas em nome do Estado em 2010 (Foto: Getty Images)
O que aconteceu depois de Saville?
O Departamento de Polícia da Irlanda do Norte (PSNI, na sigla em inglês) abriu uma investigação de assassinato depois que o relatório Saville foi divulgado.
Demorou vários anos para ela ser concluída, e os detetives enviaram seu dossiê ao Ministério Público no final de 2016.
Após avaliarem 125 mil páginas de material, os promotores disseram em 14 de março que iriam processar o soldado identificado como F pelos assassinatos das vítimas James Wray e William McKinney.
Ele também foi acusado pelas tentativas de assassinato de outras vítimas: Patrick O'Donnell, Joseph Friel, Joe Mahon e Michael Quinn.
Em 2 de julho de 2021, foi anunciado que o Soldado F não seria julgado após uma decisão do Ministério Público.
Em um comunicado, o órgão público disse que, após "consideração cuidadosa", a decisão havia sido tomada devido a outra decisão judicial recente, que considerou inadmissíveis as evidências usadas na acusação do Soldado A e do Soldado C no assassinato de Joe McCann.
Isso ocorreu devido às circunstâncias em que as provas foram obtidas.
A decisão de não prosseguir com o caso agora é alvo de um processo de revisão judicial após uma contestação legal apresentada pelo irmão de uma das vítimas do Domingo Sangrento.