Um novo romance do britânico Ken Follett, de 72 anos, é sempre um evento editorial. Seu último livro, Never, lançado no início de novembro, teve milhões de cópias publicadas em 40 idiomas diferentes e críticas entusiasmadas.
Follett é um caso especial na literatura popular: ele começou como escritor de romances de suspense e depois se tornou um romancista histórico com Os Pilares da Terra, seu best-seller sobre a construção de catedrais na Idade Média, com o qual iniciou uma tetralogia sobre a cidade imaginária de Kingsbridge.
A BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC) conversou com o autor no âmbito do festival literário Hay Festival, em Arequipa, no Peru.
BBC - Na América Latina, você é conhecido sobretudo por seus romances históricos, mas no início você era um escritor de suspense. Agora, com Never, retorna ao suspense depois de muitos anos. O que o trouxe de volta ao suspense?
Ken Follett - Gostei da ideia de criar uma história sobre uma crise global que está se construindo muito lentamente, passo a passo, em que os líderes mundiais tomam pequenas decisões que não consideram muito perigosas, mas cada vez a crise se intensifica mais, até se tornar um desastre. A outra coisa é que eu acho que como criador devo mudar, me reinventar de vez em quando. É uma boa ideia mudar e buscar novos desafios. Eu realmente gostei de escrever Never e espero que os leitores também gostem.
BBC - Você disse que foi inspirado por alguns eventos que antecederam a Primeira Guerra Mundial.
Follett - Sim, estudei sobre a eclosão da Primeira Guerra Mundial quando estava escrevendo A Queda dos Gigantes, o primeiro livro da minha trilogia sobre o século 20. E o que me impressionou muito nesses acontecimentos, principalmente em julho de 1914, é que ninguém queria uma guerra mundial. Os líderes dos grandes países europeus envolvidos não tinham a intenção de começar uma guerra, mas tomaram decisões que levaram a uma. E todas pareciam decisões pequenas e racionais.
Se pensarmos bem, a Primeira Guerra Mundial começou com um assassinato (de Francisco Ferdinando, herdeiro do império austro-húngaro) em Sarajevo, que não era um lugar muito importante. O assassino era um nacionalista sérvio, o que também não era um movimento muito proeminente. A vítima era sobrinho do imperador. Foi um incidente relativamente pequeno e ainda assim foi a última gota. E então me perguntei: pode acontecer de novo? Uma terceira guerra mundial, não por causa de um acidente nuclear ou de um presidente louco, mas por causa de uma pequena sequência de eventos.
BBC - Sem revelar muito, o que você pode nos dizer sobre Never?
Follett - Ele se passa em muitos lugares ao redor do mundo e existem muitos "pontos críticos" hoje onde as coisas poderiam acontecer: Irã, Caxemira, Taiwan, Hong Kong, Norte da África. Algumas crises são resolvidas, mas quando não são, muitas vezes se agravam. E um pequeno perigo se transforma em médio e depois em algo maior. À medida que cada país responde, a resposta de todos esses países aumenta, até que haja a ameaça da Terceira Guerra Mundial. E não conto aos leitores o que está acontecendo, eles só saberão quando chegarem às últimas páginas.
BBC - Nesse romance há personagens femininas muito fortes: Tamara, Pauline Green, Kiah. É algo que você incluía em seus livros mesmo quando isso não era comum. Um exemplo é o livro O Buraco da Agulha, publicado em 1979.
Follett - Fui o primeiro autor a colocar uma mulher como heroína de um suspense. É comum agora, mas tenho certeza de que ninguém nunca havia feito isso. Pareceu-me natural, e muito mais interessante, que o espião implacável fosse detido por uma mulher. Não fiz isso por razões políticas, mas por razões literárias, para fazer uma história melhor. É por isso que continuo fazendo isso, porque a história é melhor se os participantes do drama às vezes são homens e às vezes mulheres.
BBC - Como você cria seus personagens? Você se inspira em pessoas reais?
Follett - Nunca uso pessoas reais como modelo. E a razão é que uma pessoa real não pode fazer todas as coisas que meus personagens fazem na história. Então o que faço é inventar um personagem que se integre à história que tenho em mente. Mas é claro que uso aspectos de algumas pessoas para criá-los.
BBC - Em seus romances, você geralmente representa pessoas de diferentes classes sociais.
Follett - Sim, gosto de retratar toda a sociedade. Em um romance como O Crepúsculo e a Aurora, o interesse principal é o destino de quatro ou cinco personagens, mas também estamos interessados em como a Inglaterra anglo-saxônica funciona diante de algumas ameaças, especialmente dos vikings. Para mostrar uma sociedade inteira por meio de destinos individuais, você precisa ter os diferentes setores dessa sociedade representados. Os poderosos e os despossuídos.
BBC -E você já se sentiu tentado a escrever algo menos monumental, mais íntimo?
Follett - Hmm, não, eu nunca tive essa tentação. Claro, muitos romances dos últimos cem anos fazem isso, olhar para a vida íntima. Estou muito mais interessado em como as pessoas interagem com aqueles ao seu redor, suas famílias ou aqueles com quem trabalham. Estou interessado em relacionamentos de amor, de poder e assim por diante. Não tanto o que ocorre na mente individual. De modo geral, o que a maioria de nós gosta são romances com enredo, que contam uma história, e com personagens de diferentes setores da sociedade.
BBC - Você disse que sempre tem um plano muito claro ao escrever seus romances, mas algum de seus personagens já acabou indo para alguma direção que você não esperava?
Follett - Não. Isso não acontece comigo. Muitos escritores falam sobre isso e eu sei que isso acontece com alguns dos meus colegas, mas não acontece comigo. Eu ficaria muito preocupado se fosse assim. (Risos) Prefiro mantê-los sob controle.
BBC - Um de seus romances mais populares na América Latina é Os Pilares da Terra. O que o fez escrever um livro sobre a construção de catedrais na Idade Média?
Follett - As próprias catedrais me surpreendem. E elas estão cheias de enigmas. Elas eram muito difíceis de construir, muito caras, e as ferramentas eram muito primitivas. Por que eles construíram essas igrejas enormes e lindas para durar centenas de anos? Eles não tinham dinheiro sobrando. As catedrais foram construídas por pessoas que moravam em cabanas e dormiam no chão. Eles nem tinham camas, que eram para os ricos.
A segunda pergunta era: como eles fizeram isso? Comecei a ler livros sobre catedrais, sobre sociedades medievais, e comecei a pensar que poderia ser uma história extraordinária. É assim que se desenvolve a ideia de um bom romance. E quando algo me prende, não consigo parar.
Algumas pessoas me perguntam se eu tinha uma catedral em particular em mente quando comecei a escrever o romance. A primeira catedral que olhei com esse olhar foi Peterborough, no leste da Inglaterra.
Eu era repórter e tinha ido à cidade para cobrir uma história. Depois de fazer algumas entrevistas, eu tinha uma hora livre antes do horário de retorno do trem. Então fui visitar a catedral. Foi a primeira vez que fiquei abalado com a beleza, o tamanho e a atmosfera de uma catedral medieval. Depois disso, fui me interessando e lendo sobre isso até que, finalmente, escrevi o romance.
BBC - É verdade que você começou a escrever romances porque seu carro quebrou?
Follett - Sim, é verdade! Meu carro quebrou e eu não tinha dinheiro para consertá-lo. Precisava de 200 libras. Fui ao banco pedir um empréstimo e eles negaram. Eu tinha acabado de vir para Londres em busca de um novo emprego e minha filha havia acabado de nascer. Casa nova, bebê novo, eu não tinha dinheiro sobrando. Outro repórter da redação escreveu um romance e foi pago.
Os demais jornalistas ficaram muito interessados em saber como ele havia arranjado tempo para escrever, como havia conseguido publicar e - o mais importante - quanto havia recebido. E a resposta foi: 200 libras. Então eu disse à minha primeira esposa: "Sei como vou consertar o carro: vou escrever um romance".
BBC - E você ganhou 200 libras?
Follett - Sim. Eu escrevi o romance, mandei para a mesma editora e me deram 200 libras de adiantamento, então pude consertar meu carro. O livro não era muito bom e não fez muito sucesso, mas me incentivou a escrever mais. O segundo romance também não teve sucesso. Na verdade, nenhum dos meus primeiros dez livros obteve muito reconhecimento, mas o décimo-primeiro foi O Olho da Agulha.
BBC - Você esperava que Os Pilares da Terra tivesse tanto sucesso?
Follett - Sim. Definitivamente, não se destinava apenas a um pequeno público interessado em história. Eu queria escrever um romance popular. Alguns de meus editores ficaram preocupados, mas eu não.
BBC - Como é o seu processo para escrever romances tão diferentes um do outro? Você contrata pesquisadores?
Follett - Eu começo com um plano e faço a maior parte da pesquisa. Nesta fase, não tenho nenhuma ajuda. Eu leio livros, vejo mapas, vejo fotos. Às vezes entrevisto pessoas, como fiz em Never. Isso demora de seis meses a um ano. Depois, escrevo um primeiro rascunho, o que demora mais um ano. E quando termino, procuro especialistas no assunto sobre o qual estou escrevendo. Eu os pago para ler o rascunho e escrever um relatório com todos os problemas que eles veem ou quando encontram algo improvável. Então eu mudo.
BBC - Como é sua rotina diária para escrever?
Follett - Gosto de acordar cedo. Normalmente começo às 6h da manhã, depois paro para o café da manhã, continuo escrevendo, paro para o almoço e geralmente termino por volta das 4h da tarde. De manhã estou cheio de energia e ideias.
BBC - Que escritores te influenciaram?
Follett - Quando eu tinha 12 anos, li um romance de James Bond, Viva e Deixa Morrer. Fiquei deslumbrado. Eu adorei, li todos os livros de Ian Fleming. E dez anos depois, quando comecei a escrever romances, lembrei-me de como me sentia quando ia ler um novo romance de James Bond. Era fantástico, eu sabia que ia gostar muito. E percebi que o que eu tinha que fazer como escritor era fazer com que meus leitores se sentissem assim. Fazer com que eles pensem: "Maravilhoso, tenho um novo romance de Ken Follett para ler!".
Nesse sentido, Fleming me influenciou muito. Minha maneira de escrever não é nada parecida com a dele e não escrevo romances com heróis como James Bond. Tentei fazer isso no começo. Alguns de meus romances fracassados eram assim.
BBC - Há um escritor para quem você sempre volta?
Follett - Gosto muito dos escritores ingleses e franceses do século 19. Charles Dickens, George Elliot, Jane Austen, Anthony Trollope e Eizabeth Gaskell. Eu sempre volto para Dickens. Na verdade, acabei de ler Edwin Drood, seu último romance, que ele deixou inacabado. É um mistério e ninguém sabe quem é o assassino.
BBC - Existe algum escritor latino-americano que te interessa?
Follett - Muitos. Em primeiro lugar, García Márquez. Todos nós lemos Cem Anos de Solidão, mas ele escreveu muitos outros livros extraordinários, como Amor em Tempos de Cólera. Adorei Dona Flor e seus Dois Maridos, de Jorge Amado, é muito bom. E também do maravilhoso romance mexicano, Como Água para Chocolate, de Laura Esquivel.
Há uma cena extraordinária em que uma mulher está fazendo um bolo de casamento. Ela está apaixonada pelo noivo, mas ele vai se casar com outra. Enquanto faz o bolo, começa a chorar e as lágrimas caem na massa. E quando os convidados comem o bolo, todos começam a chorar. É algo que só um latino-americano poderia escrever. Eu gostaria de poder escrever uma cena assim.
BBC - Você já disse que não acredita que a história se repete, mas que ela tem ecos. Muitas pessoas veem semelhanças entre o que está acontecendo agora e o aconteceu no início do século passado com a ascensão da extrema-direita. Você vê esses ecos também?
Follett - Ah, sim. E isso me assusta. A ascensão de Donald Trump faz lembrar horrivelmente a Alemanha dos anos 1930. A maneira como o público foi manipulado com mentiras, como o público seguia o líder para "o bem" do país. A mistura de autoritarismo e nacionalismo, os ataques à imprensa e aos juízes... Todo fascista ataca a imprensa e os juízes porque eles nos protegem contra esse tipo de tirania. Eles também estão tentando fazer isso na Polônia, na Hungria. É muito perigoso.
BBC - Você escreveu sobre a humanidade em diferentes momentos da história. Agora está publicando um romance sobre a possibilidade de uma guerra nuclear. Você está otimista ou pessimista sobre o nosso futuro com o aumento do populismo, as mudanças climáticas, a pandemia?
Follett - Por temperamento, sou otimista e acredito que as coisas vão dar certo. Mas agora sinto que o mundo está em mais perigo do que em toda a minha vida. E como você disse, não é apenas uma ameaça. Toda a minha vida vivemos com a ameaça nuclear, mas agora também temos a questão do clima e a pandemia. São três maneiras diferentes de destruir a humanidade. Corremos mais perigo agora. E não sei se vamos conseguir resolver esses problemas.
Esta entrevista faz parte da versão digital do Hay Festival Arequipa, encontro de escritores e pensadores que aconteceu na cidade peruana em novembro.