Quem pegar na mão o livro História da Música Popular Brasileira Sem Preconceito – Volume 1 (Editora Record), que o jornalista e pesquisador carioca Rodrigo Faour acaba de lançar, vai notar que na contracapa estão listados quase 30 gêneros musicais diferentes, entre eles, lundu, maxixe, tango brasileiro, seresta, samba e bossa nova.
Ao olhar o índice onomástico, é possível encontrar centenas de nomes de músicos, cantores, compositores e grupos que fizeram parte da música brasileira desde os primórdios até os anos 1970 – esse é o período que o livro aborda. Muitos deles, atualmente, já esquecidos, sobretudo os que atuaram no período pré-bossa nova.
A ideia de Faour nas quase 600 páginas da publicação é abordar o tema sem qualquer preconceito para, então, mostrar que seu objeto de estudo é resultado, obviamente, da mesma miscigenação que marca o povo brasileiro – e todos os personagens dele estão, de certa forma, interligados. Ou porque influenciaram quem veio depois ou quebraram barreiras ao se juntarem em pares aparentemente impossíveis.
Um exemplo disso é um lundu composto em 1853 com o jocoso título de A Marrequinha de Iaiá. A letra maliciosa, escrita pelo poeta e jornalista Paula Brito, diz “Iaiá não teime/ solte a marreca/ Se não eu morro”. Já a música é do maestro Francisco Manoel da Silva, o mesmo que compôs a melodia do Hino Nacional Brasileiro.
Depois, com o samba, que nasceu na Bahia, da mistura de ritmos africanos, mas tomou forma no terreiro da Tia Ciata, no Rio de Janeiro, e ganhou a adesão dos brancos Noel Rosa e Ary Barroso, por exemplo. Já o sertanejo primitivo, as emboladas e as toadas, encantou nomes como Catulo da Paixão Cearense e Pixinguinha, os dois nascidos na cidade.
“Sabemos que o Brasil não é uma democracia racial. Tenho feridas importantes abertas nesse sentido. Mas a cultura que brancos, negros e índios produziram por aqui é algo lindo demais. E tudo isso se encontra na nossa música”, diz Faour. Isso se reflete também no canal que ele mantém no YouTube, com 60 mil seguidores, com entrevista com nomes como Ney Matogrosso, Odair José e Roberto de Carvalho.
Dando um salto no tempo, outra informação destacada por Faour é de que a cantora Jane Duboc, que cantou rock progressivo no início da carreira, gravou baladas de sucesso nos anos 1980 e hoje tem o nome mais associado ao jazz, foi a responsável por apresentar Raul Seixas a Paulo Coelho. Juntos, eles compuseram clássicos como Sociedade Alternativa, Gita e Al Capone.
No encarte de fotos caprichado – são 64 páginas ao todo –, há retratos de nomes como Chiquinha Gonzaga, Lamartine Babo e Aracy Côrtes, vedete do teatro de revista, a primeira a gravar com regularidade entre os anos 1920 e 1930. Outras, raras, mostram o encontro de Wando e Djavan e a turma do MAU – Movimento Artístico Universitário, que, no início dos anos 1970, juntou nomes como Ivan Lins, Gonzaguinha e Aldir Blanc.
“Fazer esse livro foi, ao mesmo tempo, fascinante e enlouquecedor, pois dá vontade de escrever a biografia de todos esses personagens. Há aqueles que eu nunca havia ouvido falar e outros que eu não gosto, mas que descobri um lado interessante deles. Eu mesmo tive de passar por cima de meus preconceitos para fazer um livro inclusivo”, diz Faour, que já biografou Angela Maria, Cauby Peixoto, Dolores Duran e Claudette Soares.
Faour ainda destaca a importância de dois outros movimentos: a Era de Ouro, de 1929 a 1945, e a Era do Rádio, de 1946 a 1958. Na primeira, os destaques são Cyro Monteiro, Francisco Alves, Silvio Caldas, Carlos Galhardo, Orlando Silva, Carmen Miranda e Aracy de Almeida. No segundo período, Luiz Gonzaga, Emilinha, Marlene, Angela Maria, as irmãs Linda e Dircinha Batista e Elizeth Cardoso.
A partir de 1958, com a batida diferente de João Gilberto, a bossa nova parece ter carimbado tudo como “cafona”. Com o avanço da televisão no Brasil, os cantores do rádio perderam espaço. Faour, entretanto, defende que, apesar da revolução da bossa, quem contribuiu de fato com o declínio da carreira desses artistas – salvo algumas exceções como Angela, Elizeth e Nelson Gonçalves – foi mesmo a Jovem Guarda, em 1965.
“Ela traduzia a estética dos jovens, uma linguagem. A imagem era tão importante quanto a música. O jeito de cantar sem impostação de voz e grandes orquestras. A melhor prova disso é a música do Adoniran Barbosa (Já Fui uma Brasa) na qual ele fala que entende os garotos, mas que ele é uma brasa (e essa era uma gíria da Jovem Guarda) que ainda pode queimar”, diz.
O segundo volume vai abordar dos anos 1980 aos dias atuais. “Quero deixar uma grande contribuição para a música brasileira. Poucas pessoas poderiam fazer esse livro, digo sem falsa modéstia. Se eu não escrevesse, o conhecimento que acumulei iria se perder. Sei a importância de cada personagem que está nele.”
Desde 1986, Faour faz clipping de inúmeros artistas e bandas, além de colecionar revistas e catálogos musicais. O especialista ainda conta com a amizade de quase três décadas com o pesquisador Jairo Severiano, importante conhecedor da Era de Ouro, atualmente com 95 anos.
A pedido do Estadão, o escritor Rodrigo Faour comentou alguns nomes que estão no livro:
Francisco Alves – “Quando se fala da Era de Ouro da música, fala-se em Orlando Silva. Mas o Francisco Alves foi fundamental”
Claudia Barroso – “Uma cantora ‘cabareteira’. É a matriz de nomes como Roberta Miranda e Marília Mendonça, por exemplo. Cantava tanto músicas da mulher submissa quanto autoafirmativa. É muito curioso”
Marinês – “Uma artista incrível. Elba Ramalho não existiria se ela não tivesse aberto esse caminho”