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Lua de mel do setor cultural com governo Lula chega ao fim com críticas em série

Publicada em 31/12/24 às 06:40h - 19 visualizações

Matheus Rocha, Folhapress


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Lua de mel do setor cultural com governo Lula chega ao fim com críticas em série
 (Foto: Fotomontagem/Fábio Souza Tavares)
As críticas que se avolumaram neste ano ao governo Lula mostram que chegou ao fim a lua de mel entre o mandatário e o setor cultural. A vitória do petista foi recebida como um alento após o ex-presidente Jair Bolsonaro ter reduzido o Ministério da Cultura a uma secretaria e transformado a classe artística em alvo de ataques frequentes.

No entanto, após dois anos de mandato, o clima é de impaciência com a atual gestão. No começo deste mês, profissionais do audiovisual divulgaram uma carta aberta demonstrando preocupação com o que classificam como falta de rumo da política cinematográfica brasileira.

A morosidade na regulamentação do streaming é uma das principais críticas. A medida é considerada importante para fortalecer o mercado nacional diante do avanço das plataformas de streaming, como Max e Netflix.

Um projeto de lei em tramitação no Congresso prevê a contribuição dessas empresas de até 6% da receita anual bruta para o Condecine, a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional. Os recursos desta contribuição compõem o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), criado para desenvolver e financiar a cadeia produtiva do setor. O projeto, porém, está travado na Câmara dos Deputados.

Membro do Conselho Superior do Cinema, Gabriel Pires diz que o governo deveria se empenhar mais para acelerar a regulamentação. "Estou falando do governo como um todo", diz ele. "Isso não cabe só ao Ministério da Cultura, cabe também à Casa Civil, à Presidência da República e à Secretaria de Relações Institucionais. Mas em 2024 nós perdemos mais um ano."

Mariza Leão, uma das principais produtoras de cinema do Brasil, faz eco a essa avaliação. "Não existe um empenho político do governo na direção de uma regulamentação do streaming à altura da importância da indústria audiovisual no Brasil", diz ela, que produziu filmes como "Guerra de Canudos", "Meu Nome Não é Johnny" e a franquia "De Pernas para o Ar".

Em nota, o MinC afirma que trabalha ativamente para a regulamentação do streaming, mas que os grandes conglomerados digitais atuam para obstruir o projeto no Congresso.

Leão afirma que outro problema é o grande volume de filmes nacionais que naufraga nas bilheterias por falta de divulgação. "Investir em produção sem investir em estratégia de lançamento é um pouco irresponsável", diz a Leão. "Não basta ter investimento nos filmes. É preciso ter investimento na formulação de uma política de comunicação das obras."

Em junho, o governo anunciou com alarde investimentos de R$ 1,6 bilhão no audiovisual. Leão, no entanto, diz que ter metas claras é tão importante quanto ter recursos. "É uma política que comemora volume de investimento desvinculado de resultado."

A pasta diz que está desenvolvendo o novo plano de diretrizes e metas, documento que irá nortear as políticas do audiovisual dos próximos dez anos.

Além do audiovisual, no mês passado, mudanças na Lei Aldir Blanc provocaram mal-estar entre secretários de cultura pelo Brasil. A medida determina que o governo repasse R$ 15 bilhões a estados e municípios em cinco parcelas anuais de R$ 3 bilhões, até 2027.

Com as alterações, formalizadas por uma medida provisória, o pagamento segue obrigatório, mas as parcelas não precisarão mais ser necessariamente de R$ 3 bilhões por ano.

Gestores locais, no entanto, ficaram insatisfeitos com as mudanças e fizeram uma carta criticando a decisão. "As alterações propostas pela MP e apresentadas de forma intempestiva, desconsiderando a prática de construção compartilhada com os entes executores, comprometem o planejamento local, instauram instabilidade e dificultam o repasse de recursos", diz o documento.

O governo, por outro lado, afirma que as mudanças foram necessárias em razão da baixa execução dos recursos enviados aos entes federativos. Segundo o Executivo, apenas R$ 208 milhões dos R$ 3 bilhões foram gastos até este momento.

Com as alterações, novas transferências só serão feitas quando os valores depositados anteriormente tiverem sido usados. Com isso, o governo decidiu congelar R$ 1,5 bilhão do repasse previsto para 2024.

O incômodo em relação à política cultural não se restringe à esfera federal. Ao longo do ano, decisões da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) causaram mal-estar entre agentes culturais de São Paulo.

Um dos episódios de maior repercussão aconteceu em março, quando a Secretaria de Cultura decidiu encerrar e substituir o programa Oficinas Culturais, iniciativa que oferecia há mais de três décadas cursos em diferentes linguagens artísticas, entre teatro, literatura e artes plásticas.

O governo afirma, porém, que o programa estava defasado, motivo pelo qual decidiu substituí-lo pelo CultSP Pro - Escolas de Profissionais da Cultura. Lançado no começo de outubro, o projeto deve receber investimentos de R$ 153 milhões até 2029.

A mudança, porém, pegou o setor cultural de surpresa e provocou críticas generalizadas. "Não houve troca, não houve diagnóstico, não apresentaram nenhum tipo de dado, informação ou pesquisa que embasasse a mudança", diz Zé Renato, artista, produtor cultural e integrante da Frente Única dos Trabalhadores da Cultura.

Outra celeuma aconteceu em torno da TV Cultura —emissora que completou 55 anos com programas suspensos e 116 funcionários demitidos. No começo do ano, o governo congelou R$ 12 milhões do orçamento da Fundação Padre Anchieta, entidade que administra o canal. Em nota, a emissora diz que os cortes são consequência da diminuição de receitas publicitárias, e não do contingenciamento de recursos.

O bloqueio se deu em meio à escalada das tensões entre o governo estadual e a direção da emissora. Como mostrou a Folha de S.Paulo em abril, o canal temia uma investida de Tarcísio contra sua independência e pluralismo. Embora seja um canal público, a empresa é gerida por um conselho que tem autonomia em relação ao estado.

Além da TV Cultura, a Fundação Padre Anchieta administra o Solar Crespi Prado. Localizado na avenida Brigadeiro Faria Lima, na zona oeste de São Paulo, o casarão neoclássico sediava há mais de cinco décadas o Museu da Casa Brasileira —espaço dedicado à arquitetura e ao design comandado pelo governo estadual.

Em abril do ano passado, a instituição perdeu a sua sede depois que chegou ao fim um convênio entre a fundação e o governo para abrigá-la no imóvel. À época, a Secretaria de Cultura afirmou que o museu iria para a Casa Modernista, na Vila Mariana.

Em outubro, porém, a pasta informou que voltou atrás em razão das limitações físicas do imóvel. Desde então, o futuro da instituição é cercado por incertezas.

Em nota, a secretaria diz que o acervo foi transferido para uma reserva técnica e que fará uma mostra com os itens da coleção no ano que vem. O novo endereço do museu, no entanto, continua a ser uma incógnita.




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