A concretização da guerra entre Rússia e Ucrânia desestabilizou os mercados agrícolas, o que terá grandes consequências para a inflação no mundo e no Brasil.
O trigo, um dos produtos mais sensíveis nesse conflito, devido à importância desses dois países do Leste Europeu no mercado internacional, atingiu US$ 9,26 por bushel (27,2 kg) na abertura desta quinta-feira (24) na Bolsa de Chicago, 5,7% acima do fechamento do dia anterior.
Desde quinta-feira (17), quando as tensões aumentaram, o cereal já acumula alta de 17,4%. Isso vai custar caro para o Brasil, que importará 6,5 milhões de toneladas do cereal neste ano. O país é um dos maiores importadores de trigo do mundo.
O milho subiu para US$ 7,19 por bushel (25,4 kg), com alta de 5,1%, em relação a quarta-feira (23). As consequências dessa alta também afetam muito o Brasil, tanto na área de alimentação como na de combustível.
O pais ganha nas exportações, mas a quebra da primeira safra, devido à seca, mantém os preços do milho elevados internamente. Esse novo patamar de preços aumenta o custo da produção de proteínas, pressão que chegará ao bolso do consumidor.
O milho está ganhando importância também na produção de combustíveis. Com o petróleo atingindo US$ 105 por barril, o cereal pode ganhar preferência na composição da matriz energética. No Brasil, o cereal já é responsável por 10% da produção de etanol.
Esse imbróglio não é apenas do Brasil. Os Estados Unidos destinam um terço da produção de milho para a produção de etanol, enquanto Índia e China estão elevando a participação dos combustíveis renováveis na matriz energética.
A pressão virá também da soja, que abriu o mercado nesta quinta-feira (24) em US$ 17,65 por bushel (27,2 kg), com alta de 5,4%. O peso dessa alta virá não apenas sobre os alimentos, mas também sobre os combustíveis. O óleo de cozinha, uma das principais altas dos índices de inflação nos dois últimos anos, voltará a subir. O biodiesel, uma alternativa ao petróleo elevado, tem em sua composição 70% de óleo de soja.
O setor agrícola, que já estava afetado por crises climáticas na América do Sul e em países do Mediterrâneo, regiões produtoras de grãos, vai sentir agora os efeitos das dificuldades de transações comerciais, devido às sanções e barreiras entre os países.
Para o produtor brasileiro, essa guerra ocorre em um momento delicado. Após vários anos de boas margens de liquidez, os custos de produção aceleraram e estão entre os maiores em dez anos.
A pandemia desestruturou parte do parque industrial de químicos da China, grande fornecedora de agroquímicos utilizados nas lavouras brasileiras. Os preços subiram e há falta de alguns insumos no mercado.
Os fertilizantes também foram afetados pela pandemia e, mais recentemente, por sanções geopolíticas, colocadas por grandes potências a produtores importantes, como Belarus.
O conflito atual ocorre na principal região fornecedora de fertilizantes para o Brasil. Em 2021, os russos foram responsáveis por 22% dos 41,7 milhões de toneladas importados pelos brasileiros.
O Brasil buscou 9,3 milhões de toneladas desse insumo na Rússia, que se tornou a principal fornecedora. Além da dificuldade de abastecimento, devido às sanções a operações marítimas, o preço agora estará mais elevado.
O produtor brasileiro, que viveu o boom da alta do dólar --a moeda norte-americana eleva as receitas das exportações em reais--, agora vai pagar ainda mais caro pelo diesel, um dos grandes componentes de custos nas lavouras. O dólar que elevou as receitas agora eleva custos.
A alta da moeda norte-americana, que já atingia 2,7% na parte da manhã e estava cotada a R$ 5,14, colocará novas pressões nos preços do alimentos, elevando a inflação.
Rússia e Ucrânia têm grande importância na produção de grãos. Os russos produzem 76 milhões de toneladas de trigo e exportam 33 milhões. Juntos, os dois países são responsáveis por 29% do comércio mundial de trigo.
A Ucrânia produz 42 milhões de toneladas de milho e exporta 36,5 milhões. Ucranianos e russos detêm 19,5% do milho comercializado no mundo.