Durante a fase crítica da covid, as medidas de isolamento social levaram a uma redução brusca da taxa de atividade. Foi um efeito mundial, diante da necessidade de conter a pandemia. O problema é que no Brasil esse indicador não voltou ao nível pré-pandêmico. No segundo trimestre, estava em 61,6%, dois pontos porcentuais abaixo do último trimestre de 2019, em grande parte por causa de mudanças na importância de cada grupo etário no total. A diferença pesa estatisticamente e pode relativizar os resultados sobre a movimentação do mercado de trabalho.
Ou seja, a taxa de desemprego, que fechou o mês de agosto em 7,8%, a menor marca desde 2015, pode não estar caindo de forma tão acentuada quanto parece. Para um determinado nível de ocupação, quanto menor o número de pessoas na força de trabalho, menor a taxa de desemprego. A taxa de atividade (ou de participação) mede a relação entre o total de pessoas em idade de trabalhar (acima de 14 anos, pelos critérios do IBGE) e as que efetivamente participam do mercado – ocupadas ou dispostas a trabalhar.
Tão ou mais importante do que calibrar corretamente o ritmo do desemprego, entender o quanto antes a mudança que está em curso é crucial ao planejamento econômico de médio e longo prazos, em especial para o cálculo de receitas e despesas previdenciárias. O estudo Impactos da composição etária na taxa de participação da Pnad, concluído neste mês pela consultoria econômica LCA, destaca que os dados da taxa de participação a partir de 2019 refletem, “além dos choques e mudanças de política”, os efeitos da transição demográfica – após o fim do bônus de ter uma população majoritariamente jovem e apta ao trabalho.
O estudo desagregou dados da pesquisa do IBGE e concluiu que pesam os efeitos conjunturais da covid, que acelerou pedidos de aposentadorias e elevou valores de programas de transferência de renda, por exemplo. Mas o País também começa a sentir os efeitos da mudança da composição etária. O fato de que, desde 2019, os pesos entre os diferentes grupamentos por idade mudaram no cálculo total torna maior o desafio de puxar a taxa de participação desses grupos à verificada antes da pandemia.
O Relatório de Acompanhamento Fiscal da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, de outubro, chegou a uma conclusão semelhante sobre o aumento da inatividade no mercado de trabalho brasileiro. “Nota-se um acréscimo de 6,7 milhões de indivíduos fora da força de trabalho potencial em comparação com o período anterior à pandemia, a maioria dos quais tem 60 anos ou mais, seguida por pessoas de 25 a 59 anos dedicadas aos afazeres domésticos e familiares”, diz o relatório.
Como tarefa básica para nortear políticas públicas e de planejamento econômico, cabe ao governo direcionar esforços para identificar se há como reverter o enxugamento da força de trabalho. Como destacou o relatório da IFI, isso vai depender basicamente da verificação de fatores conjunturais e temporários. Pode ser, ao contrário, que a inatividade captada pela Pnad seja o começo de uma alteração estrutural do mercado de trabalho, e aí seus efeitos serão mais persistentes.
A partir da suspensão das medidas restritivas adotadas durante a covid, aos poucos as taxas de participação no mercado de trabalho foram retornando ou até superando os níveis de 2019 em diversas economias. Entre os 38 países-membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), 31 já eliminaram os efeitos da pandemia, e o aumento médio em relação ao período pré-covid é de 1 ponto porcentual. O Brasil chegou a ensaiar uma recuperação, mas, ao que tudo indica, ainda precisa fazer o dever de casa.