A própria Constituição brasileira garante a inviolabilidade do direito à vida (caput do artigo 5º) e o Código Civil prevê que todos os direitos do nascituro são garantidos desde a concepção (artigo 2º), sobre ter o Brasil aderido ao Pacto de São José, também denominado Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que garante o direito à vida do zigoto (artigo 4º). Estão os três dispositivos assim redigidos:
Art. 5º, CF/88. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguinte: (...)
Art. 2º, CC/2002. A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.
Artigo 4, Pacto de São José da Costa Rica - Direito à Vida:
1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente. (Grifos meus)
É interessante lembrar que a Academia de Ciências do Vaticano, no início do século XXI, em conclave para discutir o direito à vida, declarou que começa com a primeira célula gerada entre o encontro do espermatozoide com o óvulo.
À época, a Academia de Ciências do Vaticano contava entre os seus 80 membros com 29 prêmios Nobel e um brasileiro (Clodowaldo Pavan).
Em outras palavras, defender o aborto com modificação do artigo 128 do Código Penal pela Suprema Corte Brasileira e não pelo Congresso Brasileiro, é legalizar por legislação ordinária escrita pelo STF, o homicídio uterino, pois o aborto é destruição da vida humana no ventre materno.
O mais curioso é que nunca foi considerada inconstitucional a Lei 9.605/1998, que criminalizou a destruição de embriões de tartaruga, vale dizer, se o aborto for decidido como legal no Brasil, não por força de um Congresso eleito por 125 milhões de brasileiros - foi o número dos que compareceram às urnas nas últimas eleições -, mas por um Tribunal eleito pela vontade exclusiva de um homem só, nós estaremos considerando uma tartaruga com maior dignidade e direito à vida que um ser humano, que poderá ser destruído sem punição no ventre materno, enquanto a destruição de um ovo de tartaruga poderá levar o cidadão ao cárcere.
Certa vez o professor Jérôme Lejeune, famoso geneticista francês com importante colaboração na determinação das causas da Síndrome de Down, estando na Inglaterra e dando entrevista para a BBC de Londres, foi interpelado pelo repórter com a afirmação de que até a 12ª semana de gravidez há um conjunto de células e não um ser humano, que apenas surge com o feto. O acadêmico francês respondeu de forma desconcertante para o repórter que: “se nas primeiras 12 semanas não é um ser humano, mas tem vida, só pode ser um animal. Que os ingleses entendam – a lei inglesa era neste sentido - que a Inglaterra tem uma rainha que foi um animal por 3 meses, mas depois tornou-se um ser humano é um problema dos ingleses. Eu sempre fui humano, desde a concepção”.
Neste breve artigo, gostaria de concluir com uma observação. Entendo que o Supremo Tribunal Federal não tem competência para legislar sobre a matéria. Está o artigo 49, inciso XI assim redigido: “É da competência exclusiva do Congresso Nacional: (...) zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes”, proibindo que o Poder Judiciário invada a competência normativa do Congresso Nacional, que terá que zelar por sua competência legislativa editando, a meu ver, um decreto legislativo (artigo 59 inciso VI) contra a decisão.
Compreendo, pois, a reação de muitos deputados e senadores, que tem se manifestado contra esta invasão, pretendendo, se a Suprema Corte insistir em legislar sobre a matéria, tomar as medidas necessárias em defesa de seu direito constitucional de fazer as leis.
De resto, foi essa preliminar que levantei, como advogado da UJUCASP - União dos Juristas Católicos de São Paulo, em minha sustentação oral depositada no STF, quando a sessão ainda era virtual, na linha de outros amici curiae e da Advocacia Geral da União.
*Ives Gandra da Silva Martins, professor emérito do Mackenzie, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme) e Superior de Guerra (ESG) e da Magistratura do Tribunal Regional Federal - 1.ª Região; professor honorário das universidades Austral (Argentina), San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia); Doutor Honoris Causa das universidades de Craiova (Romênia) e das PUCs-Paraná e RS, e catedrático da Universidade do Minho (Portugal); presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio-SP; presidente emérito da Academia Paulista de Letras (APL) e ex-presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp)