A vítima registrou um Boletim de Ocorrência (BO), e o caso foi levado à Justiça. Em setembro de 2022, a 2ª Vara do Juizado Especial Cível de Santos julgou a ação como improcedente [sem fundamento], alegando que Julie “jamais foi impedida de usar o banheiro feminino” e que “tudo não passou de um grande mal-entendido”.
A defesa de Julie enviou um pedido de recurso que foi analisado e julgado pela 3ª Turma Cível do Colégio Recursal de Santos em fevereiro de 2023. Os juízes Orlando Gonçalves de Castro Neto, Renata Sanchez Guidugli Gusmão e Frederico dos Santos Messias condenaram a lanchonete a pagar R$ 30 mil por danos morais por transfobia.
“As pessoas trans […] estão amparadas pelo princípio da dignidade da pessoa humana e são titulares dos direitos da personalidade. A identidade de gênero é uma escolha pessoal. À sociedade, resta a função de romper com o paradigma [padrão] da patologia estruturada sob a doutrina binária [feminino ou masculino] e transmutar-se [mudar] para o plano de construções de identidade de gênero por meio da cultura e do meio social […] e permitir ao sujeito expor o seu ser, externar suas escolhas e desejos, sem o receio de ser excluído, discriminado ou violentado”, ressaltou o juiz relator Castro Neto.
O advogado Reginaldo Mascarenhas, que defende o estabelecimento, afirmou que “inexistiu transfobia” e que irá recorrer da decisão. O profissional acrescentou que os magistrados teriam julgado uma afirmação que saiu na mídia, comparando a mulher a um “ladrão”.
“A decisão de segunda instância foi fundamentada em matéria de jornal que atesta a fala do dono [da lanchonete] que nunca aconteceu e não em produção de prova. A suposta fala em jornal nunca existiu, não sabemos de onde tiraram isso”, disse o advogado.
Ele continuou: “O juiz de segunda instância se apega a essa suposta fala dizendo que no jornal o dono equipara ela a um ladrão, e isso, além de não ter acontecido, não faz parte do reclamo. Inclusive, inexistiu o impedimento dela usar o banheiro, por isso o juiz de primeira instância foi tão certo na decisão”.
Relembre o caso
A nutricionista e cabeleireira relatou à época que voltava da praia com familiares e amigos, quando decidiram parar para almoçar no estabelecimento. Em determinado momento, os primos dela foram até o caixa para acertar a conta, e Julie procurou por um banheiro, abordando um dos funcionários para pedir a informação.
“Eu dei boa tarde e perguntei onde ficava o banheiro feminino. Aí, ele falou assim para mim: Você não pode usar o banheiro feminino, porque você é homem. Sabe quando você não está esperando? Porque eu simplesmente perguntei onde era o banheiro. Poderia ser para mim ou para qualquer outra pessoa. Eu não falei que era eu quem ia usar o banheiro”, explicou.
Irritada, ela conta que chegou a xingá-lo de “babaca”, e se dirigiu ao caixa para perguntar sobre o gerente. Contudo, ouviu mais uma vez que não poderia usar o toalete feminino. “Me disseram que era proibido. Você é homem. Ou seja, ele reiterou aquilo que o funcionário tinha falado”. Após insistir, Julie conseguiu usar o banheiro feminino naquele mesmo dia.
Após o episódio, a cabeleireira se posicionou em uma página que administra nas redes sociais e fez uma denúncia de transfobia no 7º Distrito Policial (DP) de Santos.