Primeiro foram as agências de checagem. Em julho de 2020, com quatro meses de vida, Oeste foi alvo da Aos Fatos. A agência vinculada à Folha de S.Paulo tentou enxergar fake news numa reportagem sem erros sobre focos de incêndios e queimadas na Amazônia. Absurdos semelhantes se repetiriam nos meses seguintes com outras notas do site. Apesar do envio a essas empresas de sucessivos e-mails que provaram a veracidade dos textos, nenhuma delas se retratou espontaneamente.
Depois veio o Facebook, que mantém uma parceria com essas agências e muitas vezes se pauta por elas. Por mais de seis meses, uma tarja encobriu a foto de todas as reportagens “checadas” de Oeste que eram compartilhadas na plataforma. Um aviso alertava: “Informação falsa — Checada por verificadores de fatos independentes”.
Em seguida entrou em cena a Wikipedia. Sem explicar por quê, a “enciclopédia colaborativa” classificou Oeste como “fonte não confiável”. Ou seja, ninguém poderia usar a revista como base para acrescentar informações aos verbetes do site. “Foi uma decisão coletiva, não há um motivo concreto”, desconversou Rodrigo Padula, um dos 11 usuários autodenominados “editores” da Wikipedia. “Não é possível contestar. Isso não será mais colocado em pauta agora. O melhor que vocês fazem é esquecer essa história.”
Semanas atrás, o YouTube proibiu o canal de Oeste de publicar novos vídeos por sete dias. Motivo: um filme com imagens de manifestações do Black Lives Matter que entrara no ar em julho de 2020, 870 dias antes da censura. As imagens, consideradas “violentas” pela plataforma, continuam circulando livremente em outros canais da rede. Na mesma semana, o Partido dos Trabalhadores pediu ao Tribunal Superior Eleitoral que o site de Oeste fosse retirado do ar por fazer parte de um suposto “ecossistema de desinformação”. Mais uma vez, nenhuma justificativa foi apresentada.
O capitulo mais recente dessa a trama kafkiana talvez seja também o mais sórdido deles. O Google, gigante de tecnologia do qual todos os veículos de comunicação do mundo livre dependem para aumentar a distribuição de conteúdo, suspendeu a publicação de propaganda programática (os anúncios de outras empresas distribuídos pelo Google) em Oeste. A plataforma também tem deixado de priorizar as reportagens publicadas por Oeste, escondendo os textos em seu site de buscas. Justificativa da rede: “Violações da política”. Que política é essa, ninguém sabe.
Para amparar a decisão, o Google usou três links de Oeste: 1) uma reportagem sobre os dados de Alexandre de Moraes vazados em grupos de WhatsApp; 2) uma denúncia da rede de TV norte-americana Fox News afirmando que a CIA havia interferido nas eleições brasileiras; 3) a coluna com todos os textos do jornalista J.R Guzzo. O Google não detalha, contudo, o que está errado em qualquer dessas reportagens.
Publicada no site de Oeste em 18 de novembro deste ano, a notícia sobre o vazamento dos dados de Moraes reproduziu ipsis litteris um texto do jornal Folha de S.Paulo. O tema também foi republicado pela TV Cultura e pelo portal Yahoo — que permanecem com sua propaganda programática intocada. Procurada pela Folha antes da divulgação do texto, a assessoria do STF informou que não se pronunciaria sobre o caso. De lá para cá, a Corte não desmentiu a notícia, como faz sempre com informações supostamente falsas sobre seus integrantes.
A reportagem sobre a interferência da CIA na disputa presidencial brasileira ampara-se numa denúncia do jornalista Tucker Carlson. O âncora da Fox acusou o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, de pressionar Jair Bolsonaro a reconhecer o resultado do pleito. “O mesmo governo que está constantemente tagarelando sobre a santidade da democracia e das eleições livres e justas, na verdade, está interferindo nas eleições de outros países”, afirmou o jornalista, durante o programa Tucker Carlson Tonight. “No caso do Brasil, isso acontece há mais de um ano.” O texto publicado por Oeste limita-se a mencionar argumentos e provas coletados pela Fox. As informações permanecem disponíveis ao público na emissora de televisão.
O caso da coluna de J.R, Guzzo é especialmente grave porque inclui não apenas os textos já escritos pelo jornalista, mas também os que serão. É uma clamorosa censura prévia. É como se todas as músicas escritas ou imaginadas por um compositor fossem censuradas. Tal violência impede um profissional de exercer a profissão. No Brasil, só aconteceu algo parecido pouco depois da decretação do Ato Institucional número 5, quando o regime militar imobilizou intelectualmente o escritor e jornalista Antônio Callado. Jornais que publicavam algum artigo do alvo da perseguição eram advertidos por autoridades militares: se a colaboração continuasse, haveria retaliações.
“O Google diz que a revista fere a sua coleção de princípios”, diz Guzzo, na coluna desta semana. “Quais os princípios, objetivamente, que foram feridos? O Google não informa. (…) Pelo que deu para entender, o Google não quer que o autor escreva na Revista Oeste; aparentemente, permite que os seus artigos continuem a ser publicados no Estado de S. Paulo e na Gazeta do Povo, onde é colunista fixo e regular, pois, tanto quanto se saiba até o momento, não suspendeu a sua publicidade em nenhum destes dois veículos.”
A veiculação de propaganda programática também não foi suspensa no portal IG, que publicou uma reportagem falsa sob o título “Jair e Michele [sic] Bolsonaro almoçaram com Guilherme de Pádua, o assassino de Daniela Pérez”. Textos nessa mesma linha continuam expostos nos sites da revista IstoÉ, do Diário do Centro do Mundo, dos Jornalistas Livres, entre outros.
Nada aconteceu com a Folha quando a colunista social Mônica Bergamo impulsionou o texto mentiroso: “Mulher de Guilherme de Pádua, assassino de Glória Perez [sic] e hoje pastor, diz que Michelle não sabia quem ela era ao tirarem uma foto”. A Folha também publicou impunemente um texto que poderia resumir-se ao título “Por que torço para que Bolsonaro morra”.
“O que estamos presenciando é a terceirização da censura pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Tribunal Superior Eleitoral”, observou o jurista Ivan Sartori, ex-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo. “Vivemos hoje no Brasil uma censura generalizada, e as mídias sociais fazem parte desse sistema. Páginas de pessoas nessas redes são escondidas ou eliminadas, seus meios de sobrevivência desmonetizados, contas em sites caçadas. E o Senado simplesmente se omite.”
Para Sartori, estão sendo desrespeitados o artigo 220 da Constituição (segundo o qual “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição”) e o artigo 5º, inciso IX (é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença).
O jurista Ives Gandra Martins não encontra explicações para a censura imposta a Oeste. “A Constituição impede qualquer forma de censura à comunicação”, diz. “Guzzo publica artigos todos os domingos no Estado de S. Paulo, que hoje é um dos jornais mais críticos ao governo federal, e escreve no mesmo tom que o faz na Revista Oeste. Então me parece que há uma violação da Constituição, porque o Estadão não sofreu nenhuma represália. Não se deve argumentar que o Google pode escolher seus clientes, por ser uma ferramenta universal, que permite que todos apareçam, e impor restrição de liberdade de comunicação apenas a esta revista. Espero que o Google reformule sua posição ou então caberá o caminho judicial.”
Oeste foi o primeiro veículo de comunicação brasileiro a processar e ganhar na Justiça ações que moveu contra agências de checagem. O caminho judicial tem sido o único capaz de revogar injustiças evidentes. Desde julho de 2020, quando a censura pousou pela primeira vez nas páginas de Oeste, o cerco vem se fechando. A revista jamais se rendeu. Não será diferente agora.