Uma CPI investiga os desvios das verbas destinadas ao combate à covid-19 no Rio Grande do Norte. Instaurada na Assembleia Legislativa do Estado, a comissão seguiu a trilha do dinheiro até uma compra de 300 respiradores feita pelo Consórcio Nordeste, que reúne todos os governadores daquela região do país.
Conforme revela a reportagem de capa desta semana da Revista Oeste, os parlamentares descobriram que quase R$ 50 milhões foram gastos sem que nenhum aparelho fosse entregue. Três políticos petistas, entre eles o governador Rui Falcão, da Bahia, e o prefeito Edinho Silva, de Araraquara, podem estar envolvidos no esquema.
De acordo com o deputado Kelps de Oliveira Lima (Solidariedade-RN), que preside os trabalhos de investigação, é “estarrecedor” que o Consórcio Nordeste ainda exista. Abaixo, os melhores momentos da entrevista concedida pelo parlamentar a Oeste.
O que existe de diferente entre a CPI realizada no Estado e a feita pelo Senado? O que a motivou?
A gente não escolheu um alvo. Estamos construindo um processo para chegar ao alvo. Avaliamos fatos que vão nos levar até pessoas. Nós investigamos as compras, e não as decisões de gestão. Durante a pandemia, nós encontramos alguns processos de compras suspeitos no Estado [Rio Grande do Norte] e os auditamos. Encontramos 12 contratos com suspeitas de mau uso ou desvio de dinheiro público, de crime e improbidade. Com base nisso, pedimos a abertura da CPI. A compra de 300 respiradores por meio do Consórcio Nordeste estava entre eles.
Quanto o Consórcio Nordeste já gastou? Como são financiadas as compras dentro dele?
Isso eu não sei dizer, tudo o que já foi gasto. Entretanto, sabemos que cada um dos nove Estados que o integram paga R$ 1 milhão por ano só para fazer a manutenção da estrutura administrativa. Gastar com os salários e custos como viagens. A compra é feita em conjunto e os Estados fazem o rateio do custo. No caso da compra dos respiradores, tudo foi irregular. Antes mesmo de assinarem o contrato, parte do dinheiro estava na conta do fornecedor.
A respeito das compras desses 300 respiradores, o que já pode ser confirmado?
Houve claramente uma fraude, o dinheiro público foi desviado. Teve a participação de empresários e agentes públicos. Já existem confissões e delações. Ficou muito claro que há um caminho que mostra o desvio efetivo de dinheiro. E que, desde o início, o consórcio sabia que estava dando prejuízo para os Estados. Eu digo isso porque, pela compra de respiradores, foram arrecadados R$ 48,7 milhões, mas o custo deles todos era de R$ 24 milhões. E eles ainda retiraram a cláusula de seguro, que dava garantias aos compradores para o caso de não receberem o produto. Não é que ela não existia, o consórcio a retirou de propósito.
O valor de mercado do lote era de R$ 24 milhões?
Não, não era nem valor de mercado. A Biogeoenergy, de Araraquara, iria fornecer os respiradores por R$ 28 milhões. A Hempcare compraria e repassaria os aparelhos por R$ 48,7 milhões para o Consórcio Nordeste. Essa empresa era uma mera intermediária da propina, ela não fabricava nem vendia respiradores. Seu endereço é o mesmo do apartamento onde a dona mora. Era uma “lavadora de dinheiro”. Elas receberam, mas nenhum respirador foi entregue. E existem documentos sigilosos mostrando que o dinheiro não foi dividido apenas entre as duas empresas. Intermediários pegaram propinas. Houve outra divisão, mas, em razão do sigilo, não posso revelar nomes ainda. A única coisa que posso dizer é que existem agentes públicos entre eles.
Quem liderou essa compra?
O presidente do Consórcio Nordeste e governador da Bahia, Rui Costa, e o Carlos Gabas, secretário-executivo do Consórcio Nordeste. Os dois são do PT, não por coincidência, o mesmo partido do prefeito de Araraquara. O Gabas teria solicitado que a Hempcare fizesse uma doação de quase R$ 5 milhões em respiradores para Araraquara. Existem muitos documentos sigilosos, a que os governadores também tiveram acesso, envolvendo as ações questionáveis do Gabas. É estarrecedor que eles ainda se mantenham no Consórcio Nordeste e não tenham demitido Carlos Gabas.