Juristas ouvidos pelo Estadão acreditam que parte dos atos do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes em investigações, podem ser questionados e até anulados. Nesta terça-feira (13), reportagem da Folha de S. Paulo mostrou que Moraes ordenou, de forma não oficial, a produção de relatórios pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para embasar suas decisões contra aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Moraes presidiu o TSE, tribunal que julgou Bolsonaro inelegível até 2030, por ver em suas ações a prática de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação durante reunião realizada no Palácio da Alvorada, com embaixadores estrangeiros, em 18 de julho de 2022. Nesta quarta-feira (14), Moraes disse que todos os seus atos são regulares. Afirmou que todos os documentos produzidos foram juntados aos processos e compartilhados com a Procuradoria-Geral da República (PGR) e com a Polícia Federal (PF).
– Não há nada a esconder. Seria esquizofrênico eu, como presidente do TSE, me auto-oficiar. Até porque, como presidente do TSE, no exercício do poder de polícia, eu tinha o poder, pela lei, de determinar a feitura dos relatórios – alegou.
Segundo o professor Ives Gandra Martins, o caso das mensagens trocadas por assessores de Moraes mostram que pode haver um problema, uma vez que o STF não aceitou o mesmo comportamento do então juiz, hoje senador, Sergio Moro (União Brasil-PR).
– As decisões de Moro foram anuladas e não valiam nada por que os procuradores o ajudavam. Agora, se o STF agir na mesma linha, como vai ser? O que Alexandre tem contra ele não é o Direito. É um precedente. Eles criaram um precedente, se usarem a mesma régua que usaram para Moro, como vão agir com o ministro Alexandre de Moraes? – indaga.
Na visão de Gandra Martins, não há nenhuma “anormalidade” em um juiz recorrer aos seus auxiliares durante o seu trabalho. Mas haverá um desgaste na imagem da Corte e, evidentemente, em Alexandre de Moraes, cuja figura se sobressai.
– Não é bom para o Alexandre o que aconteceu – pondera.
Para o jurista Miguel Reale Junior, o TSE tem poder de polícia para apurar desvio de candidatos, mas é preciso ter uma atuação do Ministério Público na investigação.
– O TSE tem realmente o poder de polícia, a possibilidade de averiguação e de investigação, no sentido da preservação da lisura da instituição e da credibilidade da instituição. Ele trabalha com um setor extremamente sensível e por isso se justifica esse poder de polícia, mas em conjugação com o Ministério Público. Portanto, era passível de solicitação para que houvesse investigação. Agora, o normal seria a investigação ser solicitada ao Ministério Público – disse Reale Junior.
Ele considera que houve necessidade de uma atuação judicial em defesa da democracia ainda mais porque havia inércia do Ministério Público. Reale Junior aponta, no entanto, que algumas das decisões de Moraes podem ser anuladas.
– O único problema que eu vejo nesses fatos agora revelados é que não houve uma formalização. E aí eu entenderia que os atos praticados com base nesses relatórios, especificamente as medidas cautelares tomadas, aplicação de multa, apreensão de passaportes, estariam nulos. Mas isso não contamina nem se espalha ao inquérito das fake news ou às investigações do 8 de Janeiro – avaliou.
O ex-ministro Marco Aurélio Mello, disse que não poderia julgar o que aconteceu por que não conhece o que realmente aconteceu. Apenas lembrou que, o sistema constitucional é acusatório.
– Vale dizer: a polícia investiga, o Ministério Público acusa e o Judiciário julga. É o que está na Constituição Isso eu sempre observei nos 31 anos na bancada e determinava diligências quando requeridas pela polícia ou pelo Ministério Público – argumentou.
O desgaste na imagem é o que mais preocupa os membros da Corte. Reservadamente, ministros e mesmo o presidente, Luís Roberto Barroso dizem não enxergar alguma ilegalidade no trabalho de Moraes. Mas entendem que, se o assunto perdurar, a insatisfação deixará de ter apenas Moraes como alvo e passarão a atingir toda a Corte.