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Decisão do STF faz do jornalismo atividade de risco, diz advogado / Impossível aplicar a decisão do STF sobre jornais, dizem especialistas

Exercício da liberdade de imprensa é um direito e transformar o exercício do direito em um risco é contraditório / -

Publicada em 30/11/23 às 02:35h - 873 visualizações

Pleno.News / Poder360


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Decisão do STF faz do jornalismo atividade de risco, diz advogado / Impossível aplicar a decisão do STF sobre jornais, dizem especialistas
O sinistro Alexandre de Moraes  (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Decisão do STF faz do jornalismo atividade de risco, diz advogado

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que autoriza a responsabilização de veículos jornalísticos pelas declarações de entrevistados pode levar as redações à autocensura. A avaliação é do advogado constitucionalista André Marsiglia, especialista em liberdade de expressão.

– O que o STF fez foi praticamente tornar a atividade jornalística uma atividade de risco. Ocorre que o exercício da liberdade de imprensa é um direito e transformar o exercício do direito em um risco é absolutamente contraditório”, afirma.

– É um entendimento totalmente equivocado do papel da imprensa.

O STF decidiu que jornais, revistas e portais jornalísticos podem ser punidos na esfera cível por declarações de seus entrevistados contra terceiros se houver “indícios concretos” de que a informação é falsa. Para o advogado, a decisão é inconstitucional.

– O STF engessa a possibilidade do jornalístico político, o jornalístico investigativo, ter fôlego para que o tempo possa comprovar que a versão divulgada é correta – defende.

– A entrevista ao vivo também passa a ser um risco jurídico.

Marsiglia avalia que os parâmetros usados pelo STF são genéricos e podem abrir caminho para o assédio judicial a jornalistas.

– O problema é saber o que são indícios concretos. Uma decisão liminar determinando a remoção de um conteúdo, totalmente reversível, pode ser entendida como um indício concreto. Mas pode também ser uma agência de checagem, um fato consensual, esse é o perigo – alerta.

O advogado explica que a tese fixada pelo Supremo foi uma adaptação, para os veículos da imprensa, das exigências previstas no PL das Fake News para as plataformas digitais.

– O que está sendo estabelecido agora para a imprensa é mais ou menos o que se pleitou para as big techs. Da mesma forma que as plataformas são responsáveis pelo conteúdos publicado pelos usuários, a imprensa se torna responsável pelo conteúdo do seu entrevistado – lembra.

– Mas a imprensa cria e pauta o debate público. Podá-la da mesma forma que se pretende poder um usuário de rede social é absolutamente inconstitucional.

Não há, no entanto, espaço para revisão do julgamento. Os recursos no STF estão esgotados. A decisão poderia ser contestada em uma ação de constitucionalidade, mas o próprio Supremo Tribunal Federal ficaria encarregado de analisar o processo. Uma alternativa poderia ser a via legislativa, com a edição de legislação para regulamentar o tema, ou a modulação dos efeitos do julgamento pelo próprio STF, a partir da análise de casos concretos que chegarem ao tribunal.

– Na prática, o que pode acontecer de melhor é o STF perceber que a decisão é inconstitucional e rever o seu entendimento – avalia Marsiglia.

*** 

Impossível aplicar a decisão do STF sobre jornais, dizem especialistas

A decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que estabeleceu que empresas jornalísticas podem ser responsabilizadas por declarações feitas por entrevistados é considerada “impossível de aplicar na prática” por especialistas consultados pelo Poder360.

A Corte definiu nesta 4ª feira (29.nov.2023) a tese fixada na análise de uma ação que trata de uma entrevista publicada em 1995 pelo jornal Diário de Pernambuco.

Na publicação, Ricardo Zarattini Filho (1935-2017) foi acusado por um entrevistado de ter participado de um ataque a bomba em 1966 que deixou 3 mortos no aeroporto de Guararapes. Zarattini foi militante do PCBR (Partido Comunista Brasileiro Revolucionário) e deputado federal pelo PT de São Paulo. Ele é pai do atual deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP).

Os ministros já julgaram o caso concreto e decidiram que o jornal deveria ser responsabilizado pela declaração. Agora, com a fixação da tese, a definição deve ser usada para guiar outros casos semelhantes que tramitam na Justiça.

A decisão, no entanto, é considerada vaga por especialistas e não deixa claro o que são “informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas e mentirosas”. Além disso, a Corte permitiu a remoção dos conteúdos avaliados como inverídicos.

Eis a tese fixada pela Corte:

1. “A plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, vedada qualquer espécie de censura prévia, porém admitindo a possibilidade posterior de análise e responsabilização, inclusive com remoção de conteúdo, por informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas.”

2. “Na hipótese de publicação de entrevista em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se: (i) à época da divulgação, havia indícios concretos da falsidade da imputação; e (ii) o veículo deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios.”

Segundo o advogado Yves Gandra, a decisão deveria ser revertida, pois “contraria o ato do jornalismo”. Ele afirma ainda que entrevistas polêmicas e com acusações graves devem ser publicadas. Gandra usou como exemplo a entrevista de Roberto Jefferson em 2005 com acusações de esquemas de propina no 1º governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) -o caso ficou conhecido como mensalão.

“Imagina um jornal publicando uma entrevista em que alguém diga alguma inverdade e o jornal será responsabilizado. Contraria o ato do jornalismo. Quando um jornalista vai a uma entrevista, ele não sabe o que vai ser dito. Esse é o motivo de entrevistar alguém”, declarou.

“Além disso, se a pessoa mente, a Constituição já tem o remédio. Uma notícia falsa pode ser alvo de processo por danos morais. O remédio já existe”.

Fábio Medina Osório, ex-ministro da AGU e doutor em direito administrativo pela Universidade Complutense de Madrid, afirmou que a decisão da Corte “fere o princípio da liberdade de imprensa”. Ele defende que a responsabilização só aconteça em casos em há “intenção de má-fé” por parte do jornalista.

“Essa decisão deveria ser submetida à Corte Interamericana de Direitos Humanos. Essa decisão é impossível de ser seguida. O jornalista não vai mais conseguir colher nenhuma entrevista. O Supremo inviabiliza o trabalho jornalístico no Brasil com essa decisão”, disse Osório ao Poder360.

“Essa decisão destoa de qualquer outra democracia. Não existe procedente na democracia contemporânea para imobilizar o jornalismo e deixá-lo sem condição de trabalho”.

Já André Marsiglia, especialista em liberdade de expressão e direito digital e articulista do Poder360, afirmou que a regra é de “impossível aplicação prática” e que pode prejudicar a publicação de reportagens.

“Não existem informações comprovadamente mentirosas, a não ser que tenham sido judicializadas com trânsito em julgado. Isso ocorre em apenas uma parcela mínima dos casos. Nos outros, tudo ficará a cargo da subjetividade do juiz que examinará a responsabilidade da imprensa pela entrevista, ou do editor que, receando prejuízo, poderá evitar sua publicação”, declarou Marsiglia.

Segundo ele, a decisão inviabiliza as entrevistas realizadas “ao vivo” e deve tornar “desconfortável” a relação entre entrevistado e entrevistador.

“O jornalista e seu veículo terão de assumir que a entrevista ao vivo é uma atividade de risco. Ou então o entrevistado terá de assinar um termo assumindo a responsabilidade jurídica integral pelo que diz, caso o veículo seja questionado judicialmente. Algo que torna a relação desconfortável e poderá fazer com que a promoção do debate público seja inibida”, completou.




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