O que disse o PT? – A distorção foi divulgada pela presidente nacional do PT, a deputada federal Gleisi Hoffmann (PT-PR), em um post no X (antigo Twitter) nesta quinta-feira (16). “Atacaram o ministro Flávio Dino e o Ministério dos Direitos Humanos por todos os lados, mentiram e no fim o governo do Amazonas confirma que a indicação da tal esposa do líder do CV para a audiência no MJ é estadual (...)”.
O que aconteceu – Luciane Barbosa Farias veio a Brasília para reuniões três vezes em 2023: em março, em maio e em novembro. Só a última viagem, quando ela teve as despesas pagas pelo Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), se deu por indicação do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Amazonas (CEPCT-AM). As outras duas viagens, em março e maio, não tinham relação com o CEPCT-AM. Foi durante estas viagens que Luciane e sua comitiva estiveram no Ministério da Justiça: em março, com o Secretário de Assuntos Legislativos do Ministério, Elias Vaz; e em maio, com o secretário nacional de políticas penais, Rafael Velasco Brandani.
O que disse o governo? – Em resposta à primeira reportagem do Estadão, o Ministério da Justiça enviou nota na qual afirmava que “não houve qualquer outro andamento” para os pedidos da ONG Liberdade do Amazonas, presidida por Luciane Barbosa Farias e financiada pelo contador do Comando Vermelho no Amazonas, Alexsandro Barbosa Fonseca.
O que aconteceu? – Ao contrário do que disse inicialmente a pasta, servidores do Ministério da Justiça abriram um procedimento interno e trabalharam durante dois meses e meio para responder às reivindicações da ONG Liberdade do Amazonas, conforme mostra o Sistema Eletrônico de Informações (SEI) da pasta. A tramitação do processo teve início no dia 02 de maio, mesma data da reunião de Luciane com Rafael Velasco Brandani. Servidores do Ministério da Justiça chegaram a procurar a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) para responder a um questionamento levantado pela ONG.
O que disse o ministro Flávio Dino – Ao participar de ato no Ceará, o ministro da Justiça sustentou que na época das reuniões com dois de seus subordinados, Luciane Farias ainda não tinha sido condenada em segunda instância.
O que aconteceu? – Uma simples busca na Internet revelaria a relação de Luciane Barbosa Farias com Clemilson dos Santos Farias, o “Tio Patinhas”, um dos líderes do CV no Amazonas. O nome dela aparece, por exemplo, em reportagem do dia 26 de janeiro de 2022 no Portal do Holanda, um dos principais de Manaus, sobre a soltura de “Tio Patinhas”. O título do texto é “Líder de facção criminosa no Amazonas, Tio Patinhas deixa a prisão”. Outro site local publicou a íntegra da decisão, com fartas informações sobre Luciane.
O que disse Fernando Holiday – Depois da divulgação da notícia do Estadão sobre as audiências de Luciane Barbosa Farias no MJ, o vereador do PL em São Paulo Fernando Holiday publicou um vídeo no qual atribuía ao ministro um encontro com a “dama do tráfico”. “Flávio Dino mentiu ao dizer que nunca se reuniu com a ‘dama do tráfico’. A sua posição está insustentável’', dizia a legenda do vídeo. Ele apagou a publicação em seguida.
O que aconteceu – Dino nunca se encontrou pessoalmente ou posou para fotos com Luciane. Em entrevista a jornalistas, a mulher de Tio Patinhas disse, sem provar, ter visto Dino em Brasília, mas que não chegou a conversar com ele. Ela esteve em duas ocasiões no Ministério da Justiça e se reuniu com quatro servidores da pasta, incluindo os secretários Elias Vaz (assuntos legislativos) e Rafael Velasco (políticas penais). O gabinete de Vaz fica no mesmo andar que o de Flávio Dino. A mulher que aparece com Dino no vídeo de Holiday é, na verdade, a influenciadora digital Ví Álvares.
O que disse o ministro – Na terça-feira (14), depois da divulgação das primeiras reportagens sobre o caso, o ministro Flávio Dino disse em postagem no X (antigo Twitter) que foi “avisado por um jornalista que a próxima ‘notícia jornalística’ é que tenho ligações com o PCC”, referindo-se ao Primeiro Comando da Capital, a principal facção criminosa brasileira, de origem paulista. “Eu, ao mesmo tempo, tenho ‘ligações’ com o Comando Vermelho e com o PCC”, escreveu ele.
O que aconteceu – Ao contrário do que disse o ministro, não houve qualquer reportagem sobre uma suposta ligação dele com o PCC. Nos dias seguintes, o Estadão e outros veículos de imprensa detalham a agenda das viagens de Luciane a Brasília; o fato de que o MJ atuou para atender as demandas da ONG do Comando Vermelho; o fato de que a ONG e a advogada Janira Rocha receberam dinheiro do tráfico; e de que as passagens da última viagem de Luciane a Brasília foram pagas pelo Ministério dos Direitos Humanos. Mas nada sobre o PCC.
O que disse Luciane Barbosa? – Após o Estadão revelar as audiências de Luciane Barbosa no Ministério da Justiça, a ONG Instituto Liberdade do Amazonas divulgou uma nota dizendo que Luciane não é faccionada de nenhuma organização criminosa e que vem sofrendo retaliações por ser esposa de Clemilson dos Santos Farias, o Tio Patinhas, apontado como chefe do Comando Vermelho.
O que aconteceu – Luciane Barbosa não é somente esposa de uma liderança do Comando Vermelho. De acordo com a decisão que a condenou em segunda instância, a mulher também é uma integrante da facção. Ela é acusada de ser o braço financeiro da organização criminosa. O Ministério Público do Amazonas descreve ainda Luciane como “comparsa” dos crimes do tráfico e que demonstrava “inteligência financeira” para lavar o dinheiro oriundo do crime. Por isso, ela – e não somente o marido – foi condenada a 10 anos de prisão por lavagem de dinheiro, associação ao tráfico e organização criminosa, apesar de recorrer em liberdade.